RCC Tocantins
28/08/2007 - 15h40m

Em entrevista, bispo apresenta a realidade de Alto Solimões

 
Segue entrevista com o bispo de da diocese de Alto Solimões (AM) realizada pela Assessora da Comissão Episcopal para a Amazônia, Ir. Cecília Tada.

Situada no Oeste do Estado do Amazonas abrangendo uma área de 132,195 mil km2, fazendo fronteira com a Colômbia e o Peru, com uma população aproximada de 200.000 habitantes, Tabatinga é a sede da diocese do Alto Solimões. O bispo da diocese é dom Alcimar Caldas Magalhães. A diocese constitui-se de 07 municípios, 331 comunidades e 08 paróquias, sendo 06 padres diocesanos e 10 religiosos. As congregações religiosas femininas presentes são apenas três, e duas masculinas. Há três anos, a Equipe Itinerante integra a caminhada eclesial, com os núcleos em Manaus e Tabatinga.

Dezoito denominações religiosas estão espalhadas em toda a diocese, com centros de formação de seminaristas e leigos missionários.

Ir. Cecília Tada - Ao longo dos municípios que constituem a sua diocese, o senhor protagoniza a execução de projetos de desenvolvimento sustentável, com vários sítios da diocese e em sítios de particulares. O que levou o senhor fazer esta opção?

Dom Alcimar - Esse exemplo visível de solidariedade começou antes de mim com meu predecessor dom Adalberto Marzi. Foi ele que iniciou a reunir prefeitos, vereadores e lideranças na tentativa de criar um ambiente favorável ao desenvolvimento da região. Claro que sendo eu filho da região, com mais condições de conhecimento da realidade e do mecanismo de empobrecimento da mesma, porque filho daqui, e com família grande em todo o Alto Solimões, pude e tinha mais condições de perceber. Foi por isso que me dediquei a este trabalho de reunir as lideranças, de tentar aproximar os prefeitos entre si, para criar um pensamento mais coerente e mais abrangente, e não iniciativas isoladas, mas iniciativas de toda a região, para uma dar face, um rosto à nossa região. Surgiu então como uma pastoral de fundo político, uma pastoral de fundo de compaixão, uma pastoral social com um âmbito maior. Fruto desse esforço que não é só meu, mas principalmente das lideranças, foi o aparecimento do consórcio dos municípios o fórum da meso-região, ligado ao Ministério da Integração devido ao IDH baixíssimo da região. Nós temos um dos IDH’s mais baixo, de maior carência, de maior deficiência de todo o País. E surgiu também uma pastoral voltada para os problemas mais concretos, mais profundos da região, como a segurança alimentar, produção de alimentos compatíveis com as culturas indígenas, um conhecimento mais profundo do empobrecimento da região, fórum, o Solifórum ou o fórum dos Solimões, das nossas lideranças e é claro que tudo isso atraiu as atenções de políticos, de ONGs e de pessoas que estão atentas a esses processos sociais. A diocese não pretende ser aquela que puxa para frente essa carroça; nós fazemos votos que políticos, lideranças, universidades sejam instâncias para transformar a realidade da região. A universidade do Estado é um dos frutos dessa mobilização, hoje, com uma exuberante clientela com mais de 1.500 alunos com cursos básicos como a formação de políticos, professores, lideranças, técnicos, sonho de nossa região. Estamos ainda iniciando esta universidade, certamente vai trazer muitos benefícios, que vai mudar a cara dessa nossa região.

Ir. Cecília Tada - Como se dá o trabalho social da diocese com as diversas entidades, tais como o IBAMA, do IDAM, SEBRAE e outros? Quais as vantagens e benefícios para a porção do povo de Deus desta diocese?

Dom Alcimar - A relação é normal. Por enquanto a diocese cuida da evangelização como tal, então é mais do que natural que a gente tente trazer para região, técnicos, soluções cientificas no campo da agricultura, da piscicultura, no campo da produtividade, da organização das comunidades, em forma de associações, de sindicatos, de colônias de pescadores, de todos esses organismos de que a gente dispõe e outros que a gente possa carrear para cá. É mais do que normal porque condiz com o tipo de trabalho apostólico que nós escolhemos. Nós escolhemos isso.

Ir. Cecília Tada - No início da Igreja, a expansão do cristianismo obrigou os apóstolos a tomarem uma decisão: “Não está certo que nós abandonemos a pregação da palavra de Deus para servirmos as mesas”(At 6,2), como o senhor concilia a sua dedicação aos dois projetos, que são importantes?

Dom Alcimar -
Nós podíamos ter escolhido catequese, cursos de bíblia, podíamos ter escolhido outros tipos de presença pastoral, mas pareceu-nos a nós e ao Espírito Santo que fosse assim. Parecia que fosse esse o clamor mais forte, mais urgente, mais cristão, mais humanitário que a gente estava percebendo. Não quer dizer que, por algum tempo os apóstolos serviam também as mesas, quando a coisa amadureceu, eles puderam ser liberados. O Alto Solimões já amadureceu o suficiente, para abandonar o serviço de mesa? É uma pergunta. Em segundo lugar acredito que, em qualquer circunstância, aqui ou em Roma, aqui ou em qualquer parte do mundo, a Igreja tenha que fazer as duas coisas. Uma evangelização totalmente desencarnada, totalmente de sacristia, a palavra não convence. Foi essa razão, no meu parecer, que levou Jesus a fazer milagres, e dizer “dêem vocês mesmos de comer”, porque o povo daquele tempo, como o nosso, saciado de palavras que não enchem barriga e, quando a barriga está vazia, a fome é uma péssima conselheira e não leva ninguém a ser solidário, a ser fraterno e irmão. Então a senhora vê as canoas da nossa região. Nós não temos o remo a voga, nós remamos de um lado; quando a canoa toma a direção, a gente rema do outro. Eu acho que assim deve ser: no momento estamos remando de um lado, talvez aparentemente mais do lado do social, com essas preocupações, porque nós estamos vendo nosso povo migrar parar as grandes cidades. Nossa diocese vai ficando deserta. Daqui a pouco é melhor transferir o bispo e a diocese daqui para a periferia de Manaus. Enquanto tiver gente aqui precisa que a gente as acompanhe, lendo os sinais do tempo, remando a canoa, ora de um lado, ora de outro ou às vezes, com ambas as mãos para que a evangelização seja confirmada pela solidariedade, pela preocupação com a vida humana e a vida humana seja iluminada pela palavra de Deus, pela catequese. E esse binômio tem que ser administrado pelo Espírito Santo, pelos pastores, e pelo povo de Deus, com muita sabedoria, muita serenidade.

Ir. Cecília Tada - A extensão territorial da diocese de Alto Solimões é grande, os operários são poucos para atender a todos, muitos se sentem como ovelhas sem pastor, o medo toma conta de muitos diante da violência que cresce; como o senhor se sente diante destes desafios?

Dom Alcimar
- Os desafios daqui são sui generis. Os desafios de fronteira não poderiam ser diferentes, com a convivência de muitas etnias, a convivência de muitos interesses. O desnível entre Peru, Brasil e Colômbia leva a essas migrações, a essa mobilidade humana e isso importa em problemas. Como me sinto, como sente a Igreja. A Igreja vai acompanhar e tenta ser, de uma forma bem responsável, fraterna, e não quer ser uma Igreja do Brasil ou do Peru, a Igreja é única, mãe e mestra de todas essas etnias e de todo o povo de Deus, por isso é que nós trabalhamos, os bispos da região. Pela parte que me toca, procuramos fazer um trabalho que poderia ser até melhor, quanto às vocações, quanto à organização da catequese propriamente dita, quanto à evangelização de anúncio, a evangelização de testemunho que devemos pensar muito nisso. Um anúncio sem testemunho, sem caridade, sem a participação do coração e da fraternidade, esse anúncio não tem credibilidade, não tem raízes, não permanece por muito tempo. Esses desafios quero entender como fruto do ambiente em que nós vivemos, dos tempos em que estamos vivendo uma desorganização social de um tráfico de drogas, que gera violência, que gera problemas de relacionamentos, a destruição, o enfraquecimento de estruturas como a família, a escola, a profissão, o trabalho. Essas coisas que tomam como naturais, como pertencentes a este universo de fronteira e com a graça de Deus, ajuda outras nossas dioceses. É o que poderíamos tranqüilamente solucionar.

Nossa Igreja está aberta. Certamente as distâncias, a especificidade do trabalho tipicamente de fronteiras é um alarme e é uma preocupação. Para as congregações que desejam enviar membros para um trabalho eu diria, aqui não é uma coisa tão terrível, não tem porque se alarmar, não tem porque ter medo porque o povo daqui tem um coração extremamente generoso, bom, cristão. Os indígenas não são indígenas que tenham uma animosidade contra nós, pelo contrário, são irmãos fraternos e então diria para as congregações que nos visitem e, possivelmente, venham aprender conosco. Nós estamos numa escola espetacular de convivência evangélica, de encontro de raças, de cultura, e etnias e isso pode favorecer extremamente as vocações dessas congregações. Daqui saíram muitas irmãs para o Brasil e nós temos seis sacerdotes da cidade. Poderiam ser dez, doze, vinte ou mais. A formação de agentes, todos os superiores sabem, é custosa, porque requer cursos, viagens, experiências e contatos. Daqui da fronteira, fazer esse tipo de preparação de agente é custoso, é dispendioso, e porquanto são viagens que custam sempre mais de um mil reais, ida e volta, daqui para Manaus e de Manaus para Brasília outro tanto. Então, se somos poucos, quero pensar diante do Divino Pai que somos o suficiente, não vejo grande problema em sermos poucos e acho que sermos poucos é a oportunidade de sermos humildes, de sermos abertos para receber a ajuda de quem queira ser irmãos nossos, viver a experiência de Deus junto conosco aqui nessa fronteira.

Ir. Cecília Tada - Quais são as perspectivas pastorais e evangelizadoras da diocese diante da realidade de fronteira e a partir das grandes intuições de Aparecida, que provocam um grande mutirão missionário?

Dom Alcimar
- Perspectivas que a gente vê, estão tudo aí para descobrir. Aparecida aconteceu ontem e pouca informação nós temos aqui. É uma leitura aqui ou acolá. Esse mutirão de evangelização da América Latina nos atinge em cheio, porque aqui temos a encruzilhada dessa América Latina, de um Peru que está descendo da montanha e vem para a floresta, a floresta do Departamento de Loreto, de Iquitos e uma migração que converge para a fronteira brasileira. Nossos caminhos se cruzam com os caminhos da Colômbia por causa dos fugitivos da guerrilha e dos desentendimentos dentro da Colômbia e buscam também entre nós uma convivência mais fraterna, mais tranqüila, que tem maior paz. Por nossa parte temos a todas as etnias de indígenas principalmente a tribo Tikuna, que hoje se diz a mais numerosa de todo o Brasil, com quarenta mil indígenas aproximadamente e que esperam muito de nós. Etnias como os Marubo, os Matiz, os Kanamari e uma série de etnias que estão renascendo das cinzas como os Cambebas, os Cocamas, como outros nesses nossos municípios que se julgavam extintos e que hoje, dadas às facilidades, as benesses que o governo concede aos indígenas, muitos estão querendo retomar o seu passado indígena. Essa é a meu ver uma messe, como um campo de ação muito parecido com aquilo que Aparecida indica como um caldeamento de raça dessa nossa América Latina e, portanto de desafio maior para a missionariedade da nossa Mãe Igreja.

Fonte: CNBB


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