RCC Tocantins
24/05/2007 - 11h36m

Desafio de Aparecida: «superar vida cristã anêmica»

 
Fala o arcebispo uruguaio Cotugno, nomeado pelo Papa para a V Conferência Geral

APARECIDA (ZENIT.org).- Dom Nicolás Cotugno Fanizzi, arcebispo de Montevidéu, Uruguai, foi nomeado pelo Papa Bento XVI para participar da V Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe. Nesta entrevista concedida a Zenit, o arcebispo salesiano, de 68 anos, faz uma avaliação da primeira semana de trabalho e expressa suas expectativas sobre o resultado da reunião eclesial de Aparecida.

--O senhor faz parte do selecionado grupo de membros nomeados pelo Papa. Que elementos considera que motivaram esse convite do pontífice?

--Dom Nicolás Cotugno Fanizzi: Penso que por eu ser integrante da Comissão Pontifícia da América Latina e também por ser arcebispo de Montevidéu, que abrange praticamente a metade do país da República Oriental do Uruguai. Penso também que para que se escute uma voz, junto com os demais delegados da América Latina, evidentemente, sobre esse processo de secularismo que em nosso país tem mais de cem anos. Temos a experiência de uma Igreja que vive em um contexto secularista, que tanto dificulta, por um lado, a evangelização e, por outro, apresenta elementos favoráveis para que a evangelização possa alcançar os objetivos pelos quais Jesus nos enviou a anunciar o Evangelho a todos os povos, em todos os contextos. Creio então que esses possam ser os elementos pelos quais o Santo Padre me nomeou para esta Conferência de Aparecida.

--Que avaliação o senhor faz dessa primeira semana de trabalho?

--Dom Nicolás Cotugno Fanizzi: Estamos nos situando o mais concretamente possível na temática do discipulado e da missionariedade, partindo da conscientização por parte de todos os integrantes da Conferência dos grandes desafios e da novidade dos desafios que esta época nos está apresentando. Nós achamos, e todos estamos coincidindo nesta avaliação, que a mudança de época -- e não a época de mudança -- traz desafios que são originais, não há uma experiência anterior em outra cultura. Por mais que a pós-modernidade que estamos vivendo possa ter algum paralelismo com o humanismo renascentista da cultura ocidental, no qual a Igreja teve de ir ao mundo, ao ter de tornar a evangelização efetiva, teve não só de repensar a fé, mas construir-se de outra maneira em relação ao mundo para que Jesus pudesse estar presente.

Surge a necessidade de superar uma vida cristã anêmica, uma vida cristã de indiferença, uma vida cristã de tradição cultural mais que de opção de fé pela pessoa de Jesus Cristo e desde Ele pela Igreja, por Deus e pelo ser humano. Por um lado, é providencial este impacto que a pós-modernidade nos causa, para poder assumir a identidade da vocação a que estão chamados todos os seguidores de Jesus, ante que nada que crer n’Ele e, através d’El, no Pai e no Espírito, para ser testemunhas do amor. O Papa, tanto João Paulo II como Bento XVI, teve e tem esta graça particular de orientar a Igreja universal, que se encarna em nossas Igrejas particulares em ajudar-nos a desentranhar o mistério de Deus desde a capacidade racional de chegar à existência de Deus, primeiro capítulo da carta aos romanos. E, por outro lado, de fazer ver como a razão e a fé não só não se opõem, mas se exigem reciprocamente, assim como o querido Papa Bento XVI nos disse na conferência inaugural, aludindo às culturas pré-colombinas como expressões da criação da natureza abertas intrinsecamente a esta chegada da plenitude da verdade, do amor e da vida que nos traz Cristo. Essas palavras que o Papa disse foram mal interpretadas. Mas o Papa, como grande teólogo que é, põe em relação a criação, a redenção e a plenitude da vida no amor. Então nos faz ver que essa cultura do continente latino-americano estava exigindo a plenitude da verdade e do amor em uma transcendência que, pelo mistério de Cristo, o filho de Deus feito homem, não só não anula a semente do verbo que se apresenta em toda cultura, mas que promove e vivifica a seguir este processo de maturação de toda cultura na integração com o mistério do ser do homem e de toda a humanidade, que tem uma só vocação, como disse o Concílio, divina.

--O Papa, em seu discurso inaugural, evidenciou a prioridade da fé, sem descuidar dos desafios urgentes que a realidade atual propõe. Como o senhor analisa esta parte do discurso do Papa?

--Dom Nicolás Cotugno Fanizzi: Esse discurso se deve muito ao que o próprio Papa escreveu na primeira encíclica «Deus caritas est» e no segundo grande documento que ele escreveu depois do Sínodo da Eucaristia de 2005. Há uma relação co-natural entre a fé em Deus e a ação humana que se desprende dessa fé, criando fraternidade universal. Desde Deus amor é necessário colocar todas as energias para a construção da família humana, da humanidade como a família dos filhos de Deus. Portanto, a solidariedade humana é uma conseqüência intrínseca da fé em Deus. O critério da credibilidade da Igreja no mundo é que o povo de Deus tenha consciência de ser humanidade que quer crescer como família. Daí essas inquietudes, desde Paulo VI, desde João Paulo II e do Papa Bento XVI, de construir a família humana superando os localismos de todo tipo.

Então a palavra do Papa se concretiza depois em iniciativas de superação dessas injustiças institucionalizadas no âmbito mundial, de povos que são cada vez mais ricos e de povos que são cada vez mais pobres. É aí que o progresso tecnológico tem de desembocar em uma distribuição da riqueza mais igualitária, mas não como atitude de generosidade de quem tem mais em relação a quem tem menos, mas como exigência intrínseca da dignidade da pessoa humana que exige igualdade, fraternidade. É poder traduzir nos fatos que todos temos uma mesma origem, que é Deus. O Papa ensina que desde a racionalidade que nos põe em contato com a existência de Deus, portanto desde essa racionalidade que nos leva a descobrir a existência de Deus, desprende-se a exigência de uma solidariedade no âmbito universal. Para a Igreja Católica, o critério de autenticidade da vivência da fé é poder transmitir a esse irmão, a quem se vê, todo o carinho que queremos dar a Deus, a quem não se vê.

--O que o senhor espera dos próximos passos da V Conferência?

--Dom Nicolás Cotugno Fanizzi: Eu espero de coração que se possa chegar a uma concretização do discipulado, de tal forma que tenhamos caminhos de iniciação ao mistério de Cristo, de iniciação mediante uma catequese que nos dê processos mistagógicos. Ou seja, fazendo referência aos primeiros tempos da Igreja, processos que nos põem no mistério de Cristo, da Igreja, do homem, mas que nos levem existencialmente, experimentalmente, a fazer a experiência de Deus, de tal maneira que os que seguimos Jesus Cristo tenhamos caminhos concretos no âmbito universal, da América Latina e do Caribe; e no âmbito da Igreja particular, tenhamos caminhos concretos para fazer realidade esta revitalização de nosso batismo, de nossa confirmação, de nossa eucaristia, ou seja, da iniciação cristã, de tal forma que todos nós honremos o título que o Senhor nos dá quando nos chama para segui-lo: «Vós sereis meus discípulos se fizerdes o que eu vos disser». E o que o Senhor nos diz é para entregar a vida pelos outros com o mesmo amor com que Ele nos amou. Então, o que se espera é que realmente todas estas verdades, que são as mais concretas da vida da Igreja, possam traduzir-se em caminhos concretos de realização para os próximos anos, de tal maneira que a América Latina não só seja o continente da esperança, mas também o continente do amor.

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