RCC Tocantins
02/04/2007 - 15h39m

A beleza da V Conferência do Episcopado Latino-Americano (II)

 
«Todo encontro entre seres humanos, que de verdade seja autêntico e profundo, e ao mesmo tempo aberto generosamente aos interesses da comunidade e ao bem comum, gera cultura e valores, que logo conformam as estruturas de convivência social. De maneira semelhante, um verdadeiro encontro com Jesus Cristo sempre abre à comunidade e à missão», afirma um dos bispos encarregados pelo Papa de chefiar a V Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe (Aparecida, Brasil, 13 a 31 de maio).

Nesta entrevista especial a Zenit, o secretário-geral da V Conferência, Dom Andrés Stanovnik, O.F.M. Cap., bispo de Reconquista (Argentina) e secretário-geral do CELAM (Conselho Episcopal Latino-Americano), detalha o tema da V Conferência, explica como se desenvolverão os trabalhos no Santuário de Aparecida, antecipa informações sobre o Documento de Trabalho que os bispos utilizarão, entre outros assuntos.


–O Papa tem demonstrado preocupação ante a perda do sentido de Deus na vida concreta das pessoas, que, por um lado, apontaria a uma suposta liberdade, mas por outro lado revela desorientação e perda do sentido da vida. A Igreja quer promover o encontro pessoal e verdadeiro com Jesus Cristo, mas cada vez mais se percebe essa perda de sentido de Deus na vida concreta. Como a V Conferência pretende tratar essa contradição?

–Dom Andrés: É uma situação muito complexa. Na América Latina há dois fenômenos que acontecem ao mesmo tempo. Um é esse: a perda do sentido de Deus, provocada, entre outros fatores, por uma concepção deformada da liberdade, que considera a religião como um obstáculo para a liberdade e o progresso das ciências, como um elemento que submete e obscurece a razão, não permitido-lhe revelar toda sua autonomia e potencialidade. O ser humano, uma vez libertado da religião, alcançará a maturidade para decidir sobre sua vida sem ter que prestar contas a ninguém. Este modo de pensar se difunde amplamente através de poderosos meios de comunicação, e são bandeira de luta para grupos culturais muito organizados, que se caracterizam por um pensamento relativista e por uma concepção materialista da vida.

Ocorre também o fenômeno contrario. Há um aumento de sede de Deus nas pessoas. Mas com freqüência essa sede se manifesta de um modo muito difuso. Esta necessidade de Deus, que é natural e inata ao ser humano, costuma ser valorizada pelo impacto emocional que produz. Percebe-se uma tendência a viver a religiosidade no âmbito do privado, sem maior incidência na vida social. Concebe-se a religião como uma prática privada que deve permanecer à margem de todo espaço público. As políticas que promovem este modo de pensar empobrecem a vida das pessoas e pouco a pouco despojam de valores essenciais à comunidade nacional. Um povo que perde sua visão transcendente da vida, compromete seriamente seu destino como nação.

Todo encontro entre seres humanos, que de verdade seja autêntico e profundo, e ao mesmo tempo aberto generosamente aos interesses da comunidade e ao bem comum, gera cultura e valores, que logo conformam as estruturas de convivência social. De maneira semelhante, um verdadeiro encontro com Jesus Cristo sempre abre à comunidade e à missão. Por isso, a autenticidade da experiência de fé se mede por duas coisas: a inserção na comunidade eclesial e pelo compromisso na missão. A V Conferência é um desafio muito importante para todos: leigos e leigas, religiosos e religiosas, sacerdotes e bispos, a viver com maior autenticidade como discípulos de Jesus Cristo, pessoal e comunitariamente, abertos ao sopro do Espírito que impulsiona a missão, conforme a vocação de cada um.

–Neste fenômeno de sede de Deus percebido hoje em dia, promover espaços de contato com o sagrado passa a ser algo fundamental. Neste sentido, os bispos destacaram a importância do esmero e cuidado na liturgia, especialmente a centralidade da Eucaristia?

–Dom Andrés: Poderíamos caracterizar a sede de Deus em duas dimensões: uma vertical e outra horizontal. Ambas se complementam e têm que ser cultivadas com o mesmo esmero. A relação vertical expressa a relação com Deus, fundamento da relação horizontal, que expressa a relação com os demais. A primeira carta de São João é claríssima a esse respeito: quem não ama a seu irmão a quem vê, não pode amar a Deus a quem não vê.

Mediante a liturgia, a comunidade expressa sua relação com Deus, nessa dimensão por assim dizer, vertical. O espaço sagrado é um elemento fundamental para que a comunidade possa expressar em um lugar e em um tempo determinados sua relação com Deus. Nesse sentido, tanto o lugar como o tempo são sagrados, têm um significado transcendente, como o tem também a comunidade que se reúne para celebrar, por isso a chamamos Igreja, Povo de Deus, Corpo de Cristo. O momento mais belo e culminante, onde o lugar, o tempo e a comunidade manifestam o máximo de intensidade do sagrado, é a Santa Missa. Dela, nós, crentes, vivemos, ali encontramos a fonte, reconhecemos o centro e celebramos o ápice de nossa vida cristã.

A ação litúrgica por excelência é a Santa Missa. É uma ação que realizamos com Cristo e no Espírito Santo, para nos dirigir ao Pai. Não é algo que nós «fabricamos», uma ação, por assim dizer, só da comunidade que se reúne e «faz algo especial», uma ação ritual, para comunicar-se com Deus. A Eucaristia é memorial, e a recebemos do Senhor, «façam isto em minha memória». A expressão mais bela e concentrada para compreender a essência e o sentido do que «estamos fazendo» quando celebramos a Missa, a encontramos nas palavras «Por Cristo, com Cristo e em Cristo...». Na celebração eucarística, o discípulo missionário de Jesus Cristo se encontra em comunidade e por Ele, com Ele e Nele, na unidade do Espírito Santo, dá graças ao Pai. É uma ação realizada em comunhão e não pode estar separada da iniciativa individual.

Toda expressão comunitária que vai amadurecendo adquire um caráter institucional. O ponto de equilíbrio, que mantém viva a expressão comunitária, está em alcançar uma adequada harmonia entre a norma e a espontaneidade, entre fidelidade e criatividade. Por isso, na liturgia não se pode fazer o que alguém quer, ou o que lhe parece mais original e chamativo. Por certo que a liturgia deve ser uma celebração viva e criativa, mas ao mesmo tempo fiel às normas, a fim de poder reconhecer nela o mistério que estamos celebrando, e estar em comunhão com a Igreja.

A liturgia, como toda ação que realiza o ser humano, tende a deteriorar-se e necessita com freqüência de uma profunda renovação. Renovar não é inventar outra coisa, mas recriar o significado profundo que se foi perdendo, às vezes, pela rotina e outras vezes por negligência. Por isso, quando dizemos que nossas celebrações necessitam ser renovadas e ser mais vivas, estamos expressando a profunda necessidade de conversão que todos necessitamos. Isso significa «promover espaços de contato com o sagrado», para utilizar a frase de sua pergunta. É muito mais que uma mera estratégia pastoral para renovar nossas celebrações.

Para qualquer projeto de evangelização, a liturgia é um ponto chave, junto com a catequese e a caridade. Três pilares sobre os quais se constrói o mistério da Igreja. A liturgia, porque celebra a presença viva e real de Cristo na Igreja. A catequese, porque a Igreja que celebra essa presença, está chamada a seguir formando seus membros na amizade e comunhão com Cristo. E a caridade, porque a realidade maravilhosa dessa comunhão, se converte em missão para estender o Reino de Deus.

Fonte: ZENIT

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