RCC Tocantins
20/07/2007 - 00h00m

A juventude em que acredito

 
Manchete de primeira página na Folha de São Paulo, 09 de julho, noticia um programa do Governo Federal a ser lançado oficialmente em primeiro de agosto próximo. Conhecido informalmente como “PAC da Segurança” pretende integrar políticas sociais relativas à questão da exclusão de jovens com ações de segurança. Começa dizendo que há uma população jovem brasileira de 50,5 milhões entre 15 e 29 anos. Uma parte dela, 4,5 milhões encontra-se em “estado de risco”, ou seja, não tem ensino fundamental, está fora da escola e desempregada. Dados do Ministério da Justiça revelam que a cada hora, pelo menos 7 jovens, entre 18 e 29 anos, ingressam no sistema prisional; a cada dia, 187 entram nas prisões e 118 delas saem. Entre os presos, 36 mil (15%) são analfabetos. Minha reflexão aqui e agora, não se detém nesses jovens que estão sendo objeto da preocupação do governo nesse programa, mas volta-se para aqueles que surpreendem a família com seus crimes, apesar de toda proteção que dela recebem.

Não saiu ainda da minha cabeça a maldade, difícil de ser adjetivada, que aqueles cinco jovens universitários cometeram contra uma empregada doméstica parada em um ponto de ônibus da Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro. Com a maneira de se desculparem, confundindo-a com uma prostituta, a agressão tornou-se mais grave ainda por demonstrar discriminação decorrente do preconceito. Se eu os chamasse de delinqüentes, nome que merecem, o pai de um deles protestaria com veemência como assim o fez: “Não é justo manter presas essas crianças que estão na faculdade e trabalham. Misturar pessoas que têm caráter com bandidos? Eles não são bandidos”. Colocá-los na cadeia seria para ele uma crueldade. Não vou dizer que não entendo o sentimento desse pai. Na verdade, o que fizeram estes jovens foi uma verdadeira crueldade; perderam, isso sim, o que de criança todos trazemos dentro de nós e nos torna incapazes de tanta barbárie. Crianças pobres e ricas, brancas e negras convivem bem entre elas sem dar importância e mesmo sem enxergar a diferença de classe social e de cor da pele. É um dos sentidos do ensinamento de Jesus no Evangelho: “Se não vos tornardes como crianças nunca entrareis no Reino dos Céus” (Mt. 18,3).

A justificativa desse pai, diante de tão torpe e covarde agressão, não é própria de um pai, mas de uma pessoa preconceituosa em relação aos pobres. Diga-se, com tristeza, que na vida desses jovens delinqüentes, embora não reconheçam que o são, apagou-se de vez a beleza do ideal da juventude em busca de um mundo mais humano. Os grandes valores desse ideal são: fraternidade, igualdade e solidariedade. Esse ideal só é uma ilusão para quem o perde. Fruto de uma sociedade discriminadora, que não vê no outro um irmão, são esses jovens que se organizam para atacar as prostitutas, não por serem elas quem são, uma vez que vivemos uma era de total liberdade sexual. Para eles não existe diferença entre uma mulher do povo, esperando no ponto do ônibus, e uma prostituta. Pergunto: se fosse uma mulher granfina, teria inspirado neles o mesmo ímpeto selvagem que os levou ao espancamento da doméstica? Fruto dessa sociedade excludente, que desrespeita a igualdade entre todos, são aqueles jovens que jogaram álcool com fósforo aceso num índio deitado na rua por o terem confundido com mendigo. Fruto de uma sociedade violenta, praticante da irracionalidade, são aqueles jovens que agridem seus mestres em salas de aula. Dois fatos do mês passado, noticiados pela imprensa, ilustram sem lustre o que quero dizer: em São José do Rio Preto, uma professora, quando estava de costas escrevendo na lousa, teve os cabelos queimados com isqueiro por um aluno de 14 anos; em Biguaçú, perto de Florianópolis, um professor de educação física foi morto com quatro tiros de uma pistola de 9mm, na presença de 200 alunos na arquibancada do ginásio local. Apesar dos pesares, não me abate o pessimismo de desacreditar na recuperação de todos eles.

Os jovens do meu tempo não praticavam semelhantes e sinistras travessuras. No entanto, não passa de leviandade afirmar que os que agrediram a empregada doméstica, e outros casos aqui relatados, sejam o retrato da juventude de hoje. Vivo da esperança que o Brasil de amanhã esteja em melhores mãos que o de hoje. Apreciei sobremaneira as belas palavras do Papa Bento XVI dirigidas aos jovens quando esteve entre nós no passado mês de maio: “Queridos jovens, ao sobrevoar o Brasil, na minha chegada, eu já pensava neste nosso encontro com desejo de dar um abraço bem brasileiro em todos vocês e manifestar os sentimentos que levo no íntimo do coração. Fala-se de uma juventude perdida. Mas, olhando para vocês, que irradiam alegria e entusiasmo, eu assumo o olhar de Jesus: um olhar de amor e confiança, na certeza de que vocês encontraram o verdadeiro caminho”. Este Caminho é Jesus Cristo que pode ser encontrado por todos os jovens conduzidos pelo testemunho daqueles que já O encontraram.

Dom Eduardo Koaik
Bispo emérito da Diocese de Piracicaba

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