RCC Tocantins
11/06/2007 - 00h00m

Os pecados capitais

 
Pecado é sempre um “não” dito a Deus, uma negação do seu plano de amor para nós. A Bíblia fala muitas vezes de pecado, quase a cada página, já que, além de ser uma revelação a respeito de Deus e de seu amor, ela é também uma revelação a respeito do homem e de sua rebeldia para com o Criador. É essa rebeldia, por sinal, que cria as oportunidades para que Deus manifeste concretamente o seu amor e a sua misericórdia para conosco. O relato da Criação e da Queda, que abre a Bíblia, é uma síntese perfeita da situação que permeia toda a História da Salvação, e que Jesus também retrata magistralmente na parábola do filho pródigo: fomos criados por Deus para viver felizes junto dele, partilhando da plenitude de seus bens, mas caímos na tentação da independência em relação ao Pai, de tomar as rédeas de nossa vida e decidir, por nós mesmos, o que nos convém. Longe de Deus encontramos fatalmente o vazio, a carência de sentido para a vida e de alimento espiritual, mas Deus continua sempre fiel e pronto a nos acolher em sua misericórdia, sem nos pedir contas dos erros cometidos e dos bens desperdiçados, bastando-lhe apenas ter de volta o afeto do nosso coração (que motiva a atitude concreta do retorno, do abandono da situação de pecado). A história da salvação nada mais é do que o relato das constantes quedas dos homens, e das iniciativas incansáveis de Deus para recuperar seus filhos perdidos.

É a essa “rebeldia original” para com Deus que a Bíblia se refere, quando fala em “pecado” no singular. Também é muito usada a palavra “concupiscência”, para designar essa tendência ao mal que se instalou em nossa natureza, como característica permanente herdada dos primeiros pais. Paulo fala em “transgressão” ou “desobediência”: “Assim como, pela desobediência de um só homem, todos se tornaram pecadores, assim também, pela obediência de um só, todos se tornarão justos.” (Rm 5,19). Foi dessa “raiz” de pecado que Cristo nos libertou com o seu “ato de obediência” ou o “sim” total dito ao Pai por meio do dom de sua vida, como explica João Batista quando exclama: “Eis aquele que tira o pecado do mundo” (Jo 1,29). O pecado original causou uma ruptura que o homem não tinha como remediar por si mesmo, por ter rejeitado as próprias ferramentas necessárias para isso. Restaurar nossa vida perdida exigia como que um novo ato criador, que somente o próprio Deus poderia realizar.

Como as evidências demonstram, a vitória de Cristo sobre o pecado não significa que não estejamos mais sujeitos a pecar, mas sim, que já não precisamos ser escravos do pecado, não estamos mais irremediavelmente condenados à morte eterna. Temos agora ao nosso dispor as “ferramentas”, o auxílio da graça divina que nos torna capazes de vencer o pecado, desde que a desejemos e busquemos. A libertação nos foi oferecida e o paraíso nos foi reaberto, mas continuamos tendo o direito de escolha...

Quando dizemos “o pecado”, no singular, referimo-nos portanto a essa fraqueza ou deficiência presente em nossa natureza, que nos torna sujeitos a tentações de diversos tipos. A variedade dessas tentações, por sua vez, dá origem a diferentes tipos de atitudes imperfeitas que constituem, então, os diversos tipos de pecado ou “atos de pecado”.

Embora muitas sejam as formas pelas quais podemos dizer “não” ao amor de Deus, elas podem ser agrupadas em categorias, de acordo com o “vício” ou fraqueza que as motiva. Esse vício, ou desordem interior, constitui o verdadeiro pecado, já que os atos concretos são apenas a conseqüência. Jesus mostrou isso ao explicar que não são os atos externos que justificam ou condenam o homem, mas sim a intenção que os motiva, pois o que está dentro do coração é que nos torna puros ou impuros (Mc 7,20ss). O assassinato é um pecado, a maledicência é outro, mas ambos podem ter origem no mesmo sentimento de inveja ou de ira, por exemplo. É a disposição interior que faz com que o ato externo seja, ou não, um pecado (no sentido de culpa pessoal, ainda que esses atos sejam sempre condenáveis por si mesmos).

Esses vícios ou fraquezas interiores, que dão origem aos diversos atos de pecado, constituem o que chamamos “pecados capitais”, ou seja, pecados-cabeça, pecados-fonte de onde se originam os demais. A classificação não diz respeito à gravidade, mas sim ao alcance e influência desses vícios. O número sete é simbólico, significa “totalidade”. O fato de serem sete os pecados capitais não significa que essa lista esgote todas as tendências más que apresentamos, mas sim que essas foram escolhidas para representar tudo aquilo que em nós não corresponde à imagem e semelhança de Deus.

Os chamados pecados capitais são: soberba (ou orgulho), avareza, luxúria (ou impureza), ira, inveja, gula e preguiça. Essa “seleção” específica não consta na Bíblia, foi composta mais tarde por autores cristãos como São João Cassiano e São Gregório Magno, mas todos esses pecados têm extensa fundamentação bíblica. Tanto o Antigo quanto o Novo Testamento alertam freqüentemente sobre a necessidade de abandonar os pecados, enumerando-os muitas vezes em “listas” onde os que hoje chamamos “capitais” aparecem ao lado de outros, especialmente no Novo Testamento (ex: 1Cor 6,9s; 2Cor 12,20; Gl 5,19-21; Rm 1,29-31; 1Tm 1,9; 2Tm 3,2-5). O próprio Jesus também apresenta a sua lista, na passagem já citada acima: “É de dentro do coração do homem que saem os maus desejos: prostituições, roubos, assassínios, adultérios, ambições desmedidas, maldades, malícia, devassidão, inveja, difamação, arrogância, insensatez.” (Mc 7,21). Estão aí presentes praticamente todos os pecados capitais, embora com outros nomes.

Vejamos cada um deles:
1) A soberba, também chamada orgulho ou vanglória, encabeça a lista por ser a raiz de todos os outros. É o pecado de origem, a idolatria do próprio “eu” que levou e leva o homem ao desejo de independência em relação a Deus. A idolatria tão condenada pelo Antigo Testamento é sempre uma expressão de soberba (Gn 3,2-5; Ex 32,1.8). A atitude interior de soberba produz como “manifestações externas” a desobediência, o culto a outros “deuses”, a blasfêmia, o egoísmo, o julgamento (Mt 7,1-5; Lc 18,9-14), a ingratidão, a mentira, a injustiça. A rejeição a Deus provoca e se manifesta na rejeição aos irmãos, como já se vê no relato da queda, quando Adão e Eva se acusam mutuamente, e, mais tarde, quando Caim mata Abel por ciúmes. As situações injustas que vemos no mundo são sempre conseqüência dessa idolatria do “eu” que leva as pessoas a pensarem apenas em sua própria satisfação, esquecendo-se dos irmãos e, pior, aproveitando-se deles.

2) A soberba leva à avareza ou cobiça, ou seja, o desejo de acumular bens materiais ou honras, de ser mais que os outros, de estar acima deles. A avareza produz a desonestidade, o roubo, o consumismo, a exploração econômica, a falta de ética, a corrupção, as diversas situações em que o lucro e os interesses pessoais são colocados acima dos valores humanos e comunitários. A cobiça está presente no episódio do maná no deserto, quando o povo não se contenta com o alimento concedido por Deus, e quer mais (Nm 11,4-6). É condenada pelo decálogo (Ex 20,17), e em muitos outros textos, como por exemplo Eclo 14, 3-19. São Paulo a compara à idolatria em Ef 5,5 e Cl 3,5, como também em 1 Tm 6,10, quando diz que “a raiz de todos os males é o amor ao dinheiro”. Jesus também afirma que “não se pode servir a Deus e ao dinheiro” (Mt 6,24), condenando igualmente a avareza em suas parábolas (Lc 12,13-21; 16,19-31).

3) A luxúria consiste na procura desordenada do prazer sexual, fora do plano de Deus (o matrimônio) ou das leis da natureza. Aqui se inclui o adultério, a fornicação, o incesto, o homossexualismo, etc., fartamente condenados na Bíblia (ex: Mt 5,27-28.32; 19,9; Rm 1,26; 1 Cor 5,1; 6,9-10.15-18).

4) A ira (cólera, raiva) é outra conseqüência da soberba, como também da avareza e da inveja. O egoísta, quando não consegue satisfazer aos seus desejos ou quando se vê ofendido ou prejudicado, desconta nos outros a sua frustração, usando muitas vezes de violência física ou moral (brigas, insultos, xingamentos...). A ira pode ter causas justas, mas transforma-se em pecado quando não é controlada pela razão, originando acessos de violência muitas vezes injusta ou desproporcional.
A ira equivale ao ódio, freqüentemente mencionado no Evangelho de João: os maus odeiam a luz e fogem da verdade (Jo 3,20); o ódio causou a condenação de Jesus (Jo 8,37), e também os seus seguidores são odiados e perseguidos (Jo 15,18; 16,2).

5) A inveja está diretamente relacionada à soberba e à avareza, sendo comparada a esta no decálogo: “Não cobiçarás nada que pertença ao teu próximo...”(Ex 20,17). É o desejo de possuir algo que pertence a outra pessoa, porque quem só pensa em si mesmo não aceita ver os outros em melhor situação... nem mesmo no plano espiritual, como no caso de Caim (Gn 4,5), ou do irmão mais velho do filho pródigo (Lc 15,28-29). Quando transformada em atos, gera roubos, assassinatos, mentiras e violência em geral.

6) Gula, ou intemperança, é o exagero ou a falta de limites na procura da satisfação dos sentidos. É comer ou beber até passar mal... fazendo do ventre um deus (cf. Fp 4,19). São as “orgias e bebedeiras” mencionadas nas listas de pecados (Ex: Ef 5,21; 1 Cor 5,11; 1Pd 4,3). Assemelha-se à avareza, como no caso do rico da parábola de Lázaro, ou do rei Salomão, cuja busca exagerada por riquezas e prestígio levou à idolatria. Incluem-se aqui o abuso do álcool e das drogas.

7) A preguiça refere-se principalmente ao comodismo, o desleixo no cumprimento das obrigações, a falta de gosto pelos valores espirituais, a falta de perseverança na busca da conversão, o descuido em providenciar óleo para as lâmpadas (Mt 25,3). É normal sentir desânimo às vezes, mas isso se torna um pecado se nada fizermos para tentar superar o problema. São Paulo critica aqueles que se mostram “muito ocupados em nada fazer” (2Ts 3,11), desanimados com a demora no prometido retorno de Jesus, e os exorta a “não dormir” (1Ts 5,6), além de mencionar textualmente a preguiça em Rm 12,11: “Sede diligentes, sem preguiça, fervorosos de espírito, servindo ao Senhor”. O preguiçoso pode ser também comparado ao “morno” de Apocalipse 3,16...

Margarida Hulshof

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