RCC Tocantins
05/06/2007 - 00h00m

O dom da Fortaleza

 
Tarefa árdua é operar o bem. Superar dificuldades, transpor ileso perigos, supõe constância, destemor. Não é fácil sobrepujar vacilações, temores, contrariedades. A timidez e a debilidade inatas à finitude da natureza humana jorram por terra, muitas vezes, as mais nobres aspirações de um ser que sente em si apelos infinitos por ter em si o sigilo do Deus Eterno, Infinita Beleza. Por outra, o sofrimento é partilha de um viandante, exilado que busca o Paraíso perdido.

A assertiva de Paul Claudel, epígrafe de um dos seus mais belos livros, é realidade para todos: “Qui ne souffre pas...”- Quem não sofre... . Aceitar a dor com espírito altaneiro também, é atitude que inclui ânimo varonil. Eis porque se faz mister o culto diuturno do Dom da Fortaleza. Os textos bíblicos revelam seu influxo salutar. A firmeza ante o mal, a adesão a ideais sublimes, a confiança ilimitada no Onipotente, a auto-afirmação são efeitos benéficos da atuação do Espírito Santo que comunica sua força a quem a Ele se entrega.

Isto foi experimentado por São Paulo que pôde entusiasticamente afirmar: “Tudo posso naquele que me conforta” (Fl 4,13). O salmista canta jubiloso: “O Senhor é minha força e minha fortaleza; e tornou-se o meu salvador” ( Sl 117,14). Isaías convictamente assevera: “... o meu Deus fez-se a minha fortaleza” (Is 49, 5) . Joel usa de expressiva metáfora e ostenta onde estava a garantia dos israelitas: “E o Senhor (como um leão) rugirá de Sião, e de Jerusalém fará ouvir a sua voz; os céus e a terra tremerão; mas o Senhor será a esperança do povo e a fortaleza dos filhos de Israel” (Joel 3,16). Jeremias, numa prece comovente, invoca assim a Javé: “Senhor, fortaleza minha e meu amparo e meu refúgio no dia da tribulação...” (Jer 16,19) Não obstante suas amarguras, Jó não deixou de proclamar o poder do Altíssimo e exclamou: “Olha como Deus é excelso na sua fortaleza, e nenhum dos legisladores é semelhante a Ele”(Jó 36,22). Habacuc exprime, outrossim, sua certeza no poderio supremo a seu favor: “O Senhor Deus é minha fortaleza e Ele tornará os meus pés (velozes) como os dos cervos” (Hb ,19). Davi aos jabesitas dá este conselho: “Cobrem alento as vossas mãos e sede fortes”. Ao ilustre rei faria eco S. Paulo ao dar aos coríntios esta norma: “Trabalhai varonilmente e sede fortes” (1 Cor 16,13). O Livro dos Provérbios elogia a mulher forte glória de seu marido (Pv 3,10 ss).

A Fortaleza, porém, é uma dádiva para os que crêem e são justos, como mostram os Paralipômenos: “Porque os olhos do Senhor contemplam toda a terra e inspiram vigor aos que confiam nele com um coração perfeito” (2 Par 16,9). Os Atos dos Apóstolos destacam a figura intrépida do protomártir Santo Estevão que enfrentou garridamente a perseguição, ele que era “cheio de graça e valentia” (Atos 6,8).

São Bento queria seus monges revestidos de bravura e, assim, na regra de sua Ordem deixou claro o que se devia dizer ao noviço: “... façam-lhe conhecer as coisas duras e ásperas pelas quais se chega a Deus”. Ele sabia que a posse desse Ser inefável, fim supremo da existência do homem, exige inabalável constância, não admite tergiversações e fraquezas.

Aliás, um dos fins da obra pedagógica da Terceira Pessoa da Santíssima Trindade é dar ânimo e robustez, orientando cada um, eficazmente, na direção da virtude. Então o cristão se torna aguerrido, impertérrito, imperturbável ante os óbices e tudo fica menos aterrador para uma criatura que reage tão debilmente diante de situações desconcertantes. O Paráclito, no dizer de Callens, “acaba sua obra, comunicando à nossa vontade o sobressalto de energia com que ultrapassará a si mesma”. Muitos, após atravessar provas as mais terríveis, se esquecem de que foi graças ao Espírito de Deus, poderoso e invicto, que a vitória foi alcançada.

Ser cristão, hoje sobretudo, significa ser herói frente às aliciações do mal, perante um mundo falaz e perseguidor, no qual impera a corrupção. Apenas quem se reveste da firmeza do Alto é capaz de não trair princípios e de restar fiel à sua fé.

Santa Maria Goretti é o grande exemplo. À sua imitação inúmeros são aqueles que preferem perder bens, riquezas, até a própria vida, para não compactuarem com as paixões que amesquinham. Estes são aqueles que buscam em Deus a ajuda indispensável, a qual não é negada nunca, pois Cristo prometeu a seus discípulos: “... recebereis a virtude do Espírito Santo que descerá sobre vós e me sereis testemunhas em Jerusalém, em toda a Judéia, e na Samaria e até às extremidades da terra” (Atos 1,8). É pela Fortaleza que o discípulo do Filho de Deus opera maravilhas e patenteia ações que honram e dignificam o ser racional.

Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho
Professor no Seminário de Mariana - MG

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