RCC Tocantins
03/07/2007 - 00h00m

Verdade, bondade, utilidade

 
Sempre gostei da historinha de Sócrates, o antigo filósofo grego, do seu amigo e das três peneiras. Esse amigo se aproxima de Sócrates com vontade de contar-lhe algumas conversas sobre outros amigos. O filósofo aceita na condição que, antes, o amigo passe a “notícia” através de três peneiras.

Assim sendo, Sócrates pergunta ao amigo se o que vai lhe contar é verdadeiro; seria a primeira peneira: a da verdade. O amigo responde que na realidade não tem certeza se o que está para contar seja verdade mesmo.

-Sabe, é conversa de rua; não dá para confiar, responde o amigo.

- Tudo bem, continua o filósofo: Vamos ver se a notícia passa pela segunda peneira: a da bondade. Tem certeza que o que vai me contar é bom?

- De jeito nenhum, responde o amigo cada vez mais confuso: Não é coisa boa, não.

- Hum! diz o filósofo: Mas, ao menos, o que vai me contar pode ser útil para alguma coisa? Deve passar pela terceira peneira: a da utilidade.

- Não exatamente - responde o amigo – o que queria contar-lhe não serve mesmo para nada.

- Então, amigo, se o que quer me contar não é verdadeiro, nem bom e menos ainda útil, sinceramente prefiro não saber e aconselho a você que esqueça, diz Sócrates

Penso nesse diálogo, entre o filósofo e o amigo, quando me pego falando dos outros. É o esporte, talvez o mais popular, aquele de falar da vida alheia. Ocupa o tempo e nos dá a impressão de estar bem informados. Na realidade, poucas vezes essas conversas passariam pelas três peneiras. Tento também me lembrar disso quando começo a ler um jornal, uma revista ou um livro. Já estou preparado. De uma revista de moda não posso exigir rigor científico. De um romance também não posso pedir verdade histórica, comprovada com documentos; não seria mais uma história, às vezes muito bonita e tocante, mas criada pelo autor. Uma ficção, entendermos. Também de certas colunas sociais, não posso exigir muita utilidade. Se confundo uma história fantástica com a realidade acabo vivendo num mundo de ilusões. Se dou muito valor ao namorico da última estrela da mídia, corro o perigo de invejar a sorte dela, ou até sofrer por ela, quando, na realidade, no próximo número da revista, tudo será desmentido pelos interessados. Eu me deixei levar, pelo escândalo, pela notícia bombástica, pela manchete. Isso acontece quando esquecemos as três peneiras do filósofo. Claro que posso também querer conhecer algo de falso, de ruim e de inútil. Mas, ao menos estou consciente disso. Fico vigiando para não ser enganado.

E se o livro é a Bíblia? E se quem fala é o Papa? Vamos peneirar também? Quem se esforça de afirmar e defender a verdade, custe o que custar, quem defende o bem e convida a praticá-lo como o meio mais útil e necessário para a renovação da vida e da sociedade, não tem medo de nenhuma peneira. Muito pelo contrário, agradece se alguém, honestamente, contribui para desfazer mal-entendidos e a verdade, e para que o bem e o amor possam aparecer com mais brilho ainda. Fico triste quando, às vezes, se quer passar por mentira o que é verdade evidente; por opinião pessoal exortações que obrigariam a todos a mudar um pouco, ou muito, em sua vida; por algo sem interesse propostas autenticamente revolucionárias. Só um exemplo. No nº 90 da Exortação Apostólica Pós-sinodal: “Sacramento da Caridade”, o Papa Bento XVI diz: “De fato, com base em dados estatísticos disponíveis, pode-se afirmar que bastaria menos da metade das somas imensas globalmente destinadas a armamentos, para tirar, de forma estável, da indigência o exército ilimitado dos pobres”. Uma afirmação como essa passaria pelas três peneiras do filósofo? De quebra, talvez, teríamos também a paz mundial. Com certeza haveria mais esperança e alegria para todos.

Dom Pedro José Conti
Bispo de Macapá (AP)

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