RCC Tocantins
09/10/2007 - 00h00m

Sede Compassivos

 

O Papa Bento XVI, no Discurso inaugural da V Conferência Geral dos Bispos da América Latina e do Caribe, em maio de 2007, afirmou, categoricamente: “as estruturas justas, que são uma condição sem a qual não é possível uma ordem justa na sociedade, não nascem e nem funcionam sem um consenso moral da sociedade sobre os valores fundamentais e sobre a necessidade de viver estes valores com as necessárias renúncias, inclusive contra o interesse pessoal”. Ele completa o raciocínio afirmando que “onde Deus está ausente, estes valores não se mostram com toda a sua força, nem se produz um consenso sobre eles”. É determinante, pois, este consenso moral.

No Documento de Aparecida, resultado desta V Conferência, os bispos afirmam que “esse consenso moral e mudança de estruturas são importantes para diminuir a dolorosa iniqüidade que hoje existe em nosso continente, entre outras coisas através de políticas públicas e gastos sociais bem orientados, assim como do controle de lucros desproporcionais de grandes empresas” (DA 537). Este indispensável consenso moral precisa enfrentar, pois, a radicalidade da violência que atinge a sociedade, dizimando culturas e valores, a ser vencida com a radicalidade do amor. Só o consenso moral tem força para vencer esta violência que configura uma grande rede, incluindo os ataques à integridade física de tantos, os rombos no erário público, os conchavos descarados para acobertar indivíduos e grupos, fomentando a impunidade, bem como o absurdo da exclusão da grande maioria, acatada com passividade e naturalidade.

Os bispos em Aparecida afirmam que “conduzida por uma tendência que privilegia o lucro e estimula a concorrência, a globalização segue uma dinâmica de concentração de poder e de riquezas nas mãos de poucos. Concentração não só de recursos físicos e monetários, mas, sobretudo, da informação e dos recursos humanos, o que produz a exclusão de todos aqueles que não estão suficientemente capacitados e informados, aumentando as desigualdades que marcam tristemente nosso continente, e que mantém na pobreza uma multidão de pessoas” (DA 62). Há de se investir todo esforço na configuração deste consenso moral para o enfrentamento e desmontagem destes mecanismos perversos que estão habituando as pessoas a viverem por seus interesses espúrios, temperadas e fecundadas por uma pungente indiferença diante do sofrimento dos outros. Deus é a referência central para a criação deste consenso moral, sendo ele a fonte de todo amor.

O confronto e a inserção nesta centralidade de Deus remetem à indispensável dimensão da alteridade. O outro é sempre mais importante, despertando nos corações as referências indispensáveis para a criação do consenso moral que se traduz em solidariedade e fraternidade, em um profundo sentido social e político, com as marcas dos valores do amor, da justiça, da honestidade e da paz, como bem a ser conquistado a todo custo. Assim, para a conquista deste consenso moral, o rosto do outro é determinante e indispensável como consideração: os excluídos, miseráveis, os migrantes, os moradores de rua, os dependentes químicos, os encarcerados, os enfermos. O processo de recomposição deste esgarçado tecido, chamado consenso moral, tem na compaixão um determinante ponto de partida. A compaixão pelo outro, gerada e cultivada no fundo do coração, como remédio para a mesquinhez, arbitrariedades violentas e perversidades frias.
É aterrador constatar o quanto os corações estão voltados apenas para os seus interesses, chegando a atitudes mesquinhas de extrema frieza na consideração de situações e dos outros. A sociedade contemporânea padece de uma verdadeira avalanche de deficiências quando se considera e examina atitudes e hábitos que configuram esta cultura da violência. Uma violência insana que não é praticada simplesmente pelos pivetes que importunam nas ruas, mas pelo costume esdrúxulo de não dar tréguas aos outros quando não se detém mais o mesmo poder ou quando não se domina tudo para perpetuar o velho estilo dos caudilhos e dos antigos donos de fazenda e de engenhos. Nesta listagem se encontram absurdos que revelam a pequenez de muitos, usando dinheiro e estruturas bem montadas para prosseguirem no desejo surreal de manutenção do próprio poder, honrarias e benesses. Há um começo simples e eficaz para debelar este processo que vai corroendo o indispensável consenso moral sem o qual a sociedade contemporânea não vai sair desse cenário tão grave. O apóstolo Paulo, na sua vasta literatura, insiste na aposta de cultivar o sentido de respeito e querer bem ao outro. Suas exortações éticas e morais estão, fortemente, centradas na compaixão pelo outro. Este foi seu grande investimento na formação da consciência e das relações comunitárias como se pode constatar. O convite fundamental e determinante é: Sede compassivos!


Dom Walmor Oliveira de Azevedo

Arcebispo Metropolitano de Belo Horizonte



Fonte: CNBB

LINK CURTO: https://rccto.org.br/r/ld

© 2012-2024. RCC-TO - Todos os direitos reservados.