RCC Tocantins
11/11/2010 - 00h00m

Relacionamento consigo mesmo - Parte 2

 
A superação das feridas afetivas e das carências requer também o exercício constante do perdão, pois “recusando-nos a perdoar nossos irmãos e irmãs, nosso coração se fecha, sua dureza se torna impermeável ao amor misericordioso do Pai” (CIC 2840/2841). Note-se que não só o perdão ao irmão se faz necessário, mas por vezes também o perdão a Deus e a nós mesmos.

Precisamos, por vezes, perdoar a Deus para que, com o coração curado, possamos com Ele voltar a ter um bom relacionamento após sofrimentos atribuídos a Ele, ainda que erroneamente. Note-se que, como afirma Pe. Alírio Pedrini, “é preciso compreender e saber que Deus não precisa do seu perdão, mas você precisa perdoá-lo para que seu coração fique curado. Deus não precisa de sue perdão porque efetivamente não errou, Ele não é culpado do seu problema” (PEDRINI, Alírio. Oração de Amorização – A Cura do Coração, 2001,pg.86).

Perdoar a si mesmo também é fundamental para santificarmos nossa relação conosco mesmos e incrementarmos a autoestima. É necessário conceder o perdão por todos os erros do passado que estejam presentes em formas de lembranças dolorosas e culpas, afinal, se Deus que é perfeito nos perdoa, quem somos nós para nos condenarmos? Pelo perdão somos capacitados a levantar após as quedas e recomeçar o caminho, reforçados na santidade e autoconhecimento. Não pode haver limites para o perdão e, como afirma Romano Guardini, filósofo católico, “quem quiser progredir, sempre terá que começar de novo... Paciência consigo mesmo é o alicerce de todo progresso”.

Nos relacionamentos, o amor que temos geralmente cresce em proporção ao grau de conhecimento mútuo e intimidade que desenvolvemos. Conosco não pode ser diferente. Devemos ser íntimos conhecedores de nós mesmos para desenvolvermos autoestima. Tal intimidade crescerá na medida em que buscarmos o conhecimento e aceitação de nossa própria pessoa em todos os planos nela contidos, ou seja, o físico, o emocional, o intelectual e o espiritual. Isso porque somos uma totalidade que engloba todos esses planos. Não é suficiente o desenvolvimento de apenas um aspecto de nosso ser. Investir apenas, por exemplo, no aspecto espiritual e descuidar do físico não conduz à plenitude de vida, pois, conforme nos ensina a igreja: “é a pessoa humana que deve ser salva. É, portanto, o homem considerado em sua unidade e totalidade, corpo e alma, coração e consciência, inteligência e vontade...” (GS 3).

No plano físico, o equilíbrio passa pela graça de aceitarmos nosso corpo como ele é e para ele olharmos através do prisma de seu valor real, a ele conferido por seu Criador e Senhor. Somos um sacrário onde Deus habita! A beleza disso não pode ser medida por comprimentos de nariz, quantidade de espinhas, altura, peso etc.

“Não sabeis que sois o templo onde habita Deus?”, nos adverte Paulo (I Cor 6,19). Nosso corpo é merecedor de todo respeito, pois ressuscitaremos e, conforme nos conta o Catecismo da Igreja Católica, “quando ressuscitarmos no último dia, nós também seremos manifestados com ele cheios de glória. Enquanto aguardam esse dia, o corpo e a alma do crente participam desde já da dignidade de Cristo” (CEC 1004).

Devemos, pois, cuidar desse santo corpo, para que permaneça saudável e revigorado. Também devemos cuidar de sua aparência. O desejo de sentir-se belo é natural. O que não podemos é nos deixar sufocar pelos padrões estéticos impostos pela sociedade e massacrarmos com isso nossa própria dignidade em busca de parecermos com outra pessoa, considerada bonita pela sociedade. A noção de beleza deve ter como eixo a dignidade e o respeito à pessoa humana e a seu corpo. Todos somos criados pelo Amor e para o Amor. Louvemos a Deus em nossos corpos como salmista: “Sede bendito por me haverdes feito de modo tão maravilhoso” (Sl 138,140).

Socialmente somos vítimas de um atentado covarde que visa a nos convencer, por todos os meios, de que somos feios e sem valor e, por isso, precisamos consumir cada vez mais produtos que nos garantem a beleza e o sucesso. O curioso é que essa promessa nunca se cumpre pois, quando parece que compramos o necessário, surgem novas necessidades... Nesse ciclo, a aceitação do próprio corpo torna-se praticamente impossível. Acabamos por passar a vida “brigando” com o corpo para que ele seja diferente do que é, não importando o quão belo ele seja.

Saibamos reconhecer nossa beleza! Somos seres lindos criados pelo Senhor. Somos dignos. Em nós Ele habita. Cuidemos e reverenciemos nosso corpo como cuidaríamos do trono de Deus se a nós fosse confiado, pois no fundo é o que somos. Cristo não tem membros físicos para atuar no mundo de hoje. Não tem mãos para levantar um caído, braços para abraçar um pecador arrependido, voz para proclamar seu amor a toda criatura. Precisa do nosso corpo físico para tudo isso e muito mais! Assim, dele cuidemos e o coloquemos a serviço, pois é o que Cristo e a igreja esperam de nós: “a vida e a saúde física são bens preciosos confiados por Deus. Devemos cuidar delas racionalmente, levando em conta as necessidades alheias e o bem comum” (CIC 2288).

No plano emocional, o relacionamento conosco mesmo deve se fazer da busca do autoconhecimento e da cura de carências e feridas emocionais.

Um bom caminho talvez para iniciar esse processo talvez seja estarmos atentos ao modo como agimos no dia-a-dia. Será que estamos agindo com autonomia de vontade ou simplesmente reagindo ao que a vida oferece? Quem tem conduzido nossos passos: a razão, iluminada pelo Espírito Santo, ou sentimentos desenfreados? Pela observação das atitudes, possivelmente concluamos ser hora de investir fortemente nos processos de amadurecimento e cura emocional. Tais processos constituem graça de Deus, mas com ela devemos concorrer com disposição e decisão.

Aceitar os sentimentos pode ser um bom início para elevação da autoestima. Em tese, sentimentos não são bons e nem maus. São apenas sentimentos. Como lidamos com ele é que pode dar-lhes tal conotação, produzindo boas ou más consequências. Por exemplo, imaginemos uma pessoa que é muito explorada pelo patrão e dele sente raiva. Num primeiro momento, essa raiva é natural, nem boa e nem má. Será valorada, outrossim, pelo que dela resultar em atitudes consentidas por seu sujeito. Ou seja, a pessoa que sente raiva de seu patrão explorador pode, por exemplo, dar vazão a essa raiva, cultivá-la e dele vingar-se. Ou, por outra via, pode exercitar o perdão e utilizar-se da mesma raiva como mola propulsora para ter ânimo de investir cada vez mais em seu desenvolvimento profissional, até poder montar seu próprio negócio.

Além de aceitarmos nossos sentimentos, abandonando culpas e tentando, com luz do Espírito Santo, gerenciá-los de maneira santa e eficaz para crescer no plano emocional rumo à elevação da autoestima, algo mais se faz necessário. Trata-se do abandono das máscaras e padrões de comportamentos sociais que muitas vezes assumimos com vistas à obtenção de segurança e aceitação nos grupos com os quais convivemos. Nesse contexto, por exemplo, uma pessoa que reconhece receber maior atenção dos demais quando está triste, desenvolve uma tendência a sempre encontrar motivos para se entristecer e assim ser mais notada. Um cristão autêntico deve lutar ao máximo para identificar essas máscaras e padrões de comportamento em sua vida e abandoná-los, pois nosso valor não se mede pelo grau de aceitação social. Ao contrário, deve-se rumar para autonomia e autenticidade, ficando, assim, cada vez mais parecidos com a forma como Deus nos criou.

Paralelamente à aceitação de nossos sentimentos e a busca da autenticidade, devemos nos utilizar de todos os meios possíveis de cura de nossas carências e feridas afetivas. Ressalte-se que a busca válida é a de cura e não de satisfação das mesmas. Entre outros, são meios eficientes para a cura espiritual: os sacramentos, a oração individual e comunitária; a vivência de relacionamentos equilibrados em todos os âmbitos (amizade, namoro, família, comunidade etc.); a busca de conhecimento a respeito do assunto; a busca de orientação espiritual e, quando necessário, de tratamento psicológico com profissional capacitado e, de preferência, cristão.

No plano intelectual, devemos buscar o desenvolvimento das habilidades que possuímos, ao invés de nos lamentarmos pelas que gostaríamos de possuir, caminhando no aperfeiçoamento e na autoaceitação.

Devemos submeter nossa natureza intelectual ao senhorio de Cristo e procurar desenvolver nossas habilidades com sabedoria, colocando a razão a serviço da nossa própria santificação e do bem comum, conscientes de que “a natureza intelectual da pessoa humana se aperfeiçoa e deve ser aperfeiçoada pela sabedoria” (GS 15) e de que “a fé supõe e aperfeiçoa a razão” (FR 43).

No plano espiritual, com o intuito de crescer num processo de autoconhecimento tendo em vista uma autoimagem positiva, devemos, em primeiro lugar, buscar a presença de Deus pois “Somente em Deus o homem há de encontrar a verdade e a felicidade que não cessa de procurar” (CEC,27). Apresentemos a Ele nossa pessoa integralmente e deixemos que Ele nos convença de nosso valor!

A autoaceitação nesse plano inclui também o júbilo com cada pecado ou vício vencido, com cada fruto de Espírito Santo manifesto. Aceitar o crescimento espiritual como um processo que exige esforço, mas que é cheio da graça e da misericórdia de Deus. Ao invés de impor-se metas altíssimas de santidade, que acabam por gerar frustrações diárias diante da impossibilidade de seu cumprimento, ir caminhando nesse processo passo por passo consolidando as conquistas e percebendo o crescimento do homem novo em detrimento ao homem velho e seus apegos carnais.

Uma boa dica nesse sentido é começar a caminhar em santidade através do exercício das virtudes que já possuímos, a fim de potencializá-las, para que fiquem cada vez mais fortalecidas. Paralelamente ir combatendo o pecado, começando, porém, pelos pecados mais fáceis de vencer. Com isso, ganharemos força para as batalhas maiores contra os pecados mais arraigados em nosso ser, vez que nos sentiremos mais animados pelas vitórias obtidas e pelas virtudes consolidadas. Talvez essa seja uma boa forma de caminhar na autoestima no plano espiritual, e evitar o desânimo causado pela sensação de fracasso advinda da demora na vitória final contra o pecado.

Outro ponto a ser destacado nesse aspecto é a valorização dos dons especiais que cada um de nós possui de forma única, tanto os espirituais, quanto os naturais. Corresponde a aceitarmos nossa unção pessoal e irrepetível que, no dizer de Philippe Madre, “repousa sobre todo batizado e é como a esperança que Deus pôe em nós” (in: Saber Amar-se – Prelúdio Para a vida Mística, Ed. Santuário, SP, 2000, pg.128). É através do acolhimento e da valorização daquilo com que o próprio Senhor nos dotou que poderemos cumprir Seus desígnios de santidade e plenitude de vida. Não podemos rejeitar nenhum dom concedido, seja espiritual ou material. Pedro, por exemplo, era pregador, tinha o dom da palavra e com isso revolucionou a história da humanidade. Porém, não menos importante que esse dom era sua impetuosidade e coragem, que lhe permitiram caminhar sobre as águas, visto que foi o único a ter o destemor e a iniciativa de fazê-lo. Cada característica nossa foi cuidadosamente planejada por Deus desde a eternidade e é muito preciosa. Assim, temos o dever de reconhecer nossa beleza a colocá-la a serviço da comunidade e da sociedade.

Note-se que, reconhecer os próprios dons, o próprio valor e a grandiosidade da própria vida não representa pecar por orgulho ou vaidade, pois, no dizer de São Francisco de Sales, “o amor de si é um dever do homem”. Além de um dever, esse amor representa uma condição para a existência da liberdade de amar ao outro a Deus (Philippe Madre op. Cit.). Portanto, no relacionamento conosco mesmo, devemos nos aprimorar no autoconhecimento com vistas a crescer em autenticidade, autonomia e liberdade, a fim predispormos nossas almas para receber a grande graça da autoestima e do amor de si como fator de santidade pessoal e de santificação do mundo.

QUIROGA, Aldo Flores e FLORES, Fabiana Pace Albuquerque. Práticas de Vida e Relacionamento – Ministério Jovem RCCBrasil. Módulo Serviço – Apostila I. 2ª edição.

Siglas:
CIC - Catecismo da Igreja Católica
DV - Constituição Dogmática Dei Verbum
FR - Carta Encíclica Fides et Ratio
GS - Constituição Pastoral Gaudium et Spes

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