RCC Tocantins
17/11/2010 - 00h00m

Relacionamento com os outros

 
“O ferro com o ferro se afia, e o homem, pelo contato com o próximo” (Pr 27, 17)

Deus, ao criar o homem, não quis que ele estivesse só. Deus fez do homem um ser social. Somos chamados a encontrar a plenitude da nossa realização pessoal no convívio com os irmãos. Isso porque a vocação do homem é amar. Somos filhos do Amor, criados à sua imagem e semelhança. Isso significa que o amor faz parte de nossa natureza humana, e parte fundamental. Podemos até dizer que a capacidade de amarmos e sermos amados é uma das características que nos distinguem como seres humanos.

Para que esse amor se realize em nós, ele deve se voltar ao outro. Como já vimos, o amor próprio positivo – aquele que nasce do profundo respeito por si mesmo e pela consciência de ser amado por Deus – é muito importante para a maturidade cristã. Mas esse amor só não basta. Ele é uma etapa, um requisito para a maturidade, mas não é a maturidade em si. Essa maturidade só vem quando experimentamos um amor que se volta para o outro.

Quando falamos em amor, podem passar por nossa mente uma série de definições do termo. Apesar de conhecermos o Amor verdadeiro, a cultura dessacralizada que nos rodeia apresenta várias ‘expressões’ de amor, ou melhor, de um pseudo-amor. O resultado é que a palavra ‘amor’ está desgastada. Temos de recuperar seu verdadeiro significado. E ele é um só. O que será que define o amor que o homem é chamado a vivenciar? Pelo que já foi dito acima, podemos intuir qual é a característica fundamental desse amor. Para entender melhor, vejamos o exemplo de Jesus. Em toda a sua vida pública, sem falar em sua própria Encarnação, o Senhor só fez uma coisa: doar-se. Ele entregou-se. Não pediu nada. Apenas constantemente se entregou. Deu-se ‘até a morte e morte de cruz’.
Jesus chegou a dar o ‘seu’ mandamento: “Amai-vos como eu vos amei”. E nos deu também dicas preciosas para reconhecermos esse amor. Uma delas é: “ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida por seus irmãos”. Aqui encontramos então a maturidade da vocação cristã: dar. O amor que o homem deve buscar é o amor de doação. Não é qualquer sentimento de afeto que busca resposta, retribuição, posse. É um amor que quer se entregar, se doar para fazer o outro crescer. Até o fim se for preciso. Cada um de nós é chamado por Deus a uma única coisa, da qual todos os outros chamados particulares derivam: a AMAR.

Precisamos entender bem isso antes de seguir adiante. Todo homem e toda mulher, seja qual for a sua raça, nação, credo, idade, estado de vida ou classe do irmão. Somente fazendo isso atingiremos a maturidade plena de seres humanos. Se queremos crescer como gente, precisamos saber que o único caminho é o do amor-doação. Não será o sucesso profissional, a estabilidade matrimonial, uma boa situação financeira ou a satisfação de todos os nossos desejos que efetivamente nos levarão à plenitude de nossa humanidade, mas sim o amor-doação. “O homem, a única criatura na terra que Deus quis por sim mesma, não pode se encontrar plenamente se não por um dom sincero de si mesmo (cf. Lc 17, 33)” (GS 24).

O motivo disso é simples: Jesus viveu esse amor. O Novo Adão veio redimir e resgatar aqueles que se perderam do plano inicial do Pai. O Emmanuel veio ensinar a toda a raça humana como ser homens e mulheres em plenitude, como Ele mesmo o foi. E seu ensinamento não é outro senão o do amor.

Portanto, meu irmão e minha irmã, fomos criados pelo Amor e para o amor. E não apenas para receber amor, mas para amar. Muitas vezes carregamos carências afetivas que têm origem na concepção, gestação, infância e até adolescência. Essas carências nos impedem de amadurecer no amor. É que, quando nascemos, somos receptores de amor. É o que devemos ser. Desde o período da concepção e por toda a infância devemos receber amor. Claro que damos também amor a nossos pais e irmãos. Mas primordialmente nesse período devemos receber amor. É como se carregássemos as baterias de amor para dá-lo pelo resto da vida. Quando não recebemos todo o amor que precisamos nessa fase, surgem as carências. Aí precisamos então curar essas marcas, esses vácuos de amor, para poder crescer e amadurecer. Buscar ver sanadas nossas carências é tarefa a ser desenvolvida durante todo o curso de nossas vidas. Nesse trabalho, devemos utilizar todas as ferramentas disponíveis, tanto na ciência, quanto na Igreja. A profundidade do conhecimento e da vivência íntima do Amor de Deus tem como fruto a cura das carências. Também chegamos a esse resultado através do desenvolvimento de uma vida sacramental e da busca da oração de cura, seja pessoal ou comunitária. Em alguns casos, quando as feridas do coração e as lacunas de amor são mais profundas, devemos buscar auxílio profissional de um psicoterapeuta habilitado e preferencialmente cristão.

Nesse contexto de busca de libertação de carências e avanço no exercício do amor-doação, ferramenta privilegiada e imprescindível é o desenvolvimento de relacionamentos saudáveis em todos os níveis possíveis, tais como familiar, profissional, de amizades, namoro, comunitário, eclesial etc. É no relacionamento com o próximo onde emergem nossas melhor qualidades e onde descobrimos nossos grandes defeitos e pecados. É também aí que descobrimos as barreiras existentes em nossos corações que nos impedem de amar livremente.

Certa vez, ouvi numa homilia que Deus colocou nossos olhos em um ponto estratégico do corpo, de forma que não nos é possível enxergar a nós mesmos sem auxílio. O fez para que soubéssemos que apenas do relacionamento com os outros nos conheceríamos realmente. É o outro que nos revela, a partir das mensagens que emitimos a ele. Não quer dizer que devemos acreditar e nos pautarmos pelo que os outros pensam a nosso respeito, deixando assim de lado nossa individualidade. Mas quer dizer que devemos estar atentos para aquilo que nossos relacionamentos revelam. Por exemplo, se na maioria das vezes em que preciso pedir algo a alguém as pessoas reagem mal e fazem de má vontade, ou nem fazem o que peço, provavelmente sou uma pessoa que não sabe ter docilidade ao pedir, sou “mandão” e acho que os outros têm obrigação de fazer o que acho que deveriam. Assim, através das várias situações da vida, devemos refletir acerca dos relacionamentos que desenvolvemos, a fim de conhecermos nossas falhas e virtudes. Virtudes sim, porque o outro não nos revela apenas falhas, mas nos convence das nossas boas qualidades, daquilo que notadamente é imagem e semelhança de Deus em nós. Por exemplo, muitas vezes passamos a confiar em nossas capacidades quando vemos que os outros creem que somos capazes.

Devemos, pois, louvar a Deus em nossos relacionamentos e saber que são preciosidades concedidas por um Pai de Amor que nos quis seres sociais a fim de que produzamos frutos, como nos revela o livro dos Provérbios: “O ferro com o ferro se afia, e o homem, pelo contato com o próximo” (Pv 27, 17). Assim, se queremos ser pessoas “afiadas”, instrumentos úteis nas mãos do Senhor, devemos levar muito a sério nossos relacionamentos, com a consciência de que, através deles, chegaremos ao Céu e para lá levaremos várias outras pessoas conosco.

O primeiro passo para o desenvolvimento de relacionamentos saudáveis é a decisão de amar sempre. O amor não é um sentimento puramente natural que brota em nossos corações por algumas pessoas e não brota por outras. Não. O mandamento que temos o dever de seguir é amar a todos, inclusive aos inimigos. Obviamente, em um primeiro momento, não “sentimos” amor por todas as pessoas, menos ainda pelos nossos inimigos. Porém, devemos tomar a decisão livre e consciente de viver esse amor a quem somos chamados. A partir da decisão, passamos a pedir ao Espírito a graça de amar e para tanto concorremos com atos de amor que, a princípio, nos custam muito esforço, mas que, aos poucos, conforme vai crescendo em nós o amor, passam a fluir de forma até mesmo prazerosa.

Juntamente com a decisão pelo amor vem a decisão de desejar que aquele relacionamento frutifique em bênçãos de amadurecimento e santidade para ambos os envolvidos. Nossos relacionamentos não podem ser alicerçados no egoísmo ou na troca de favores ou de vantagens. O parâmetro norteador de nosso proceder deve ser a gratuidade do Amor, a santidade. Não podemos nos deixar moldar pela mentalidade apregoada em nossa sociedade de que as pessoas e os relacionamentos só valem a pena quando nos trazem vantagens de fama, dinheiro, projeção etc. Não. Nossos relacionamentos são tanto mais valiosos quanto caminhem na verdade, na entrega, no amor.

Existem algumas atitudes que devemos desenvolver quando nos decidimos por fazer de nossos relacionamentos fontes de vida e santidade para nós e para os outros. O respeito com o outro talvez seja a principal. Quando descobrimos nossa dignidade diante de Deus e a maneira como Ele nos ama, descobrimos também que essa dignidade e esse amor estão em todo homem e toda mulher. Assim, todos são dignos de respeito. Mas o que é o respeito? Respeitar é reconhecer os limites do outro e não ultrapassá-los.

Aí entramos em outra característica fundamental de um relacionamento equilibrado: o diálogo. Como podemos reconhecer os limites do outro? Conhecendo-o. E a única forma de conhecer alguém é dialogando, trocando experiências, dando e recebendo da própria vida. Qualquer relacionamento que queria ser santo deve buscar no diálogo a escada para a santidade.

O perdão é outra exigência do relacionamento equilibrado. Falhas sempre existirão. Somos falíveis. As pessoas com as quais nos relacionamos também o são. Por isso, relacionar-se é viver constantemente perdoando. Nós precisamos do perdão dos outros e também precisamos perdoar os outros.

Aqui é preciso fazer uma observação. O perdão não é um sentimento. Dificilmente um coração magoado terá vontade de perdoar. O perdão é uma decisão. O coração magoado precisa decidir-se a perdoar. Aí o perdão acontece. Perdoar não significa esquecer o que aconteceu, mas reconhecer que o outro é tão limitado quanto eu e que por isso mesmo ele errou. O outro participa tanto quanto eu dessa natureza marcada pelo pecado. Devo perdoá-lo não como reação ao seu pedido de desculpas, mas como resposta ao Senhor que me pede “perdoar setenta vezes sete” (cf. Mt 18, 21-22).

Quando Paulo diz “suportai-vos mutuamente”, indica a atitude de quem deseja um relacionamento equilibrado. É preciso ser apoio, suporte para o outro. O relacionamento não pode ser um fardo, mas deve ser um impulso para adiante. Não pode ser pautado pelas alegrias da vida unicamente. Nos momentos difíceis deve ser real. E principalmente, não pode negligenciar o cuidado do outro. É preciso zelo. Isso significa não ter medo ou constrangimento em exortar. Para isso é preciso que o relacionamento esteja firmado também sobre a sinceridade. Não podemos ter máscaras diante dos outros. Temos de ser autênticos. A correção fraterna é importante para o amadurecimento. Fazê-la é dever de quem ama. Aceitá-la é dever de quem quer ser santo. Não podemos deixar que o orgulho nos impeça de receber a exortação.

É importante destacar que a verdadeira correção fraterna está baseada na verdade evangélica e nos ensinamentos da Igreja e não em nossos julgamentos pessoais. Além disso, ela vem envolvida na caridade. Uma exortação jamais é ofensiva, rude ou desrespeitosa. A exortação não é apenas uma crítica que aponta o erro. Mais que isso, ela indica novamente o caminho ao que se desviou.

Resumindo tudo isso numa frase, devemos ser Jesus para o outro. O que Jesus faria no meu lugar? Como Jesus trataria essa pessoa? O que Jesus diria? Perguntas desse tipo nos ajudam a discernir que atitude tomar em nossos relacionamentos.

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