RCC Tocantins
04/09/2007 - 00h00m

Perspectivas da Missão para o século XXI

 

A Missão para o século XXI é a temática de fundo que preencherá as Jornadas Missionárias deste ano, de 14 a 16 de Setembro, em Fátima.

Tais Jornadas são de âmbito nacional, sob a responsabilidade da "Comissão-Missões" da Conferência Episcopal, de análoga Comissão dos Institutos de Vida Consagrada, e das Obras Missionárias Pontifícias.

Dentro deste vasto quadro temático, diversos sub-temas de clara pertinência serão trazidos à Assembléia: uma tentativa de aproximação fenomenológica do século que vai vir, lendo nele, por antecipação e à luz do Evangelho, as carências e anseios de humanismo implícitos na textura cultural que se esboça e no contexto socio-político que se vai definindo - anseios e carências que, inseridos na história dos homens, pertencem à História de Salvação que a Incarnação de Cristo selou como tal.

Esses anseios e carências podem,desse modo, ser tidos como "pedras de apoio", "esperas" (as "pierres d'attente" faladas no Pós-Concílio) para o anúncio e o testemunho eclesial do Mistério de Cristo.

Será depois recordado que o "sujeito operativo" da Missão é sempre a Comunidade local (quiçá representada naqueles que são seus delegados), na pluralidade dos seus Grupos de vida e ação, e das pessoas que no seu seio vivem a fraternidade cristã de uma mesma Eucaristia.

Porém, importa ter em conta duas exigências: os conteúdos centrais constitutivos da Missão (constitutivos, por isso não-manipuláveis) condensam-se na pessoa e Mistério de Cristo a anunciar, na sua qualidade de dom "teândrico" do amor de Deus pela Humanidade, e, usando um conceito de S.Paulo, de "Recapitulador Pascal" da realidade humana - Ele, o "Homem Perfeito". Depois, há que considerar que a tarefa missionária está marcada, desde o mandato de Cristo aos Apóstolos, pela universalidade ou "catolicidade") do testemunho e do serviço da "Boa Nova": -"ide (subentende-se "todos", a Igreja) a todo o mundo", "e anunciai o Evangelho da conversão de vida".

Desse modo, terá de ser na inter-comunhão católica das Comunidades ("todos os cristãos responsáveis pela Missão em todo o mundo"), a que envia e a que acolhe o "agente da Missão" (que nessa condição se torna elo entre ambas), que terá de se processar o anúncio de Cristo e o serviço do Evangelho, promovendo a inculturação dos valores evangélicos nas circunstâncias culturais da localidade onde atuará o missionário que veio ou vai, o qual, por isso, começa por se "aculturar".

Nova e igual

Poderá surgir uma pergunta: mas a Missão do século XXI não é a mesma dos séculos precedentes? Sim e Não.

Exatamente a mesma ou do mesmo modo -não, se considerarmos que a história avança, as sociedades evoluem, as culturas se interinfluenciam e sucedem-se as gerações. É que a Missão, tal como a Igreja, é de certo modo "FUNCIONAL", para pessoas e grupos contextualizados em dada cultura e determinada fase da história: "por causa de nós e da nossa salvação", diz-se no Credo a propósito do próprio Mistério de Cristo, que antes de tudo é justamente Dom de Deus em função da Humanidade.

A resposta poderá ser sim, em três perspectivas parciais: relativamente à perenidade do núcleo central do anúncio missionário (Cristo Humanado e Pascal, com a sua proposta de humana renovação, em cada homem e na Comunidade que eles constituem, a qual, pela ação do Espírito Santo, se torna "sacramento de Cristo").

Parcialmente sim também, em relação com a exigência genérica de a Missão dever ter sempre em conta as "esperas " e anseios humanos de que acima se falou; ainda sim, se considerarmos que a proposta missionária reclama sempre adesão livre de fé, coroada por uma conversão à nova fraternidade inaugurada pelo Batismo e tornada plena pela Eucaristia.

Alguns dos desafios que o próximo século colocará à Missão, já se divisam no horizonte: as seqüelas de uma globalização (ou "mundialização", preferem dizer os franceses)que privilegia a dimensão econômica da sociedade e a fruição material. Tal globalização gera vacuidade de valores e pode conduzir à injustiça de um acesso desigual aos bens da criação (lembrar as relações Norte-Sul do Planeta).

Outro efeito poderá ser um pluralismo irracional de idéias que obscurece a percepção da verdade acerca da pessoa humana e da vida, ou abre caminho a propostas de espiritualidade de tipo ima-nentista que se pretendem alternativa à Mensagem cristã. Enquanto se não ultrapassar o hiper-racionalismo herdado dos séculos XVIII-XIX, não faltará quem afirme que o mais sensato é ficar-se num cômodo agnosticismo, pensando encontrar "transcendência" dentro do próprio homem, ou retomando, nas tentativas atuais de neo-paganismo, a visão de Spinoza que tudo resumia no binômio "Deus, sive Natura"- Deus é a própria Natureza(por esse caminho vão os Esoterismos da atualidade, por absorção da visão hindu da Divindade). Dada a pluralidade de propostas para-religiosas e a intromissão de ideologias no campo da Ética, uma das atitudes missionárias fundamentais para o século que vem será a prática de um verdadeiro diálogo, com os dois tempos que ele implica de escuta e de proposta. Há ainda campo para ação missionária no campo da política, onde o Laicado cristão terá de exercer a sua Missão batismal. É que os sinais são de que vai continuar o jogo semi-obscuro de Grupos que tentam apagar a visibilidade social da Igreja, ou retirar do contexto social valores cristãos fundamentais, como os que se referem à vida e à família. É campo à espera da Missão dos Leigos cristãos.

Paralelamente, por outro lado, vai aparecendo uma textura de progressos científicos ou técnicos, com afirmações de cultura aonde se poderiam discernir, por hipótese, válidas "sementes do Verbo", ou certa "preparação evangélica", valorizando estes conceitos da Patrística alexandrina do século III-IV, que o Concílio assumiu.

Tais progressos prometem aligeirar as limitações da vida humana e o peso da pobreza em boa parte da Humanidade.

Será ainda sinal a considerar a consciência crescente de que a salvação em Cristo terá de marcar as relações Homem-Natureza (o clássico problema da continuidade "cristológica" entre Criação e Redenção, sugerido na Carta aos Colossenses). E outros "apelos" e outras "esperas" que o diálogo dentro das Jornadas pode vir a evidenciar.

Missão pluriforme

Há mais um dado a ter em conta. A Missão da Igreja, devido à diferença de circunstâncias em que se exerce, torna-se pluriforme. É usual a distinção entre "Missão ad intra" (no seio da própria Comunidade de pertença) e a "Missão ad extra" (pelo mundo fora). Mas as duas, no fundo, são uma só. Por outras palavras: são dois painéis de um mesmo díptico, diferenciados pelas circunstâncias, duas vertentes da mesma e única Missão de Cristo, prolongadas pela Igreja Seu sacramento,a qual atualiza a Incarnação e o Mistério Pascal no tempo e nos espaços humanos.

Desse modo, mal seria que uma das duas dimensões da Missão viesse obscurecer a outra, já que as duas se integram e mutuamente se exigem. É de lembrar o que escreveu Paulo VI na "Evangelii Nuntiandi": a Igreja terá de se auto-evangelizar (e nessa medida se abre à ação do Espírito Santo), a fim de poder evangelizar o mundo. Os dois painéis do díptico completam-se, e por esse motivo a organização eclesial da Missão terá de considerar o balanceamento dos dois aspectos: é indispensável viver e exercer a Missão na sua globalidade, sem a trair nem trair a Igreja, sem obliterar qualquer das duas dimensões.


Pe. Manuel Gonçalves, C.S.Sp.

Fonte: Agência Ecclesia

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