RCC Tocantins
09/04/2007 - 00h00m

Havia também algumas mulheres

 

Pe. Raniero Cantalamessa


«HAVIA TAMBÉM ALGUMAS MULHERES»



Pregação da Sexta-Feira Santa (2007)
na Basílica de São Pedro



«Junto à cruz de Jesus estavam sua mãe e a irmã de sua mãe, Maria, mulher de Cléofas, e Maria Madalena» (Jo 19, 25). Dessa vez, deixemos Maria, sua Mãe, à parte. Sua presença no Calvário não requer explicações. Era «sua mãe» e isso diz tudo; as mães não abandonam um filho, ainda que tenha sido condenado à morte. Mas por que estavam ali as outras mulheres? Quem e quantas eram?

Os evangelhos referem o nome de algumas delas: Maria de Magdala, Maria -- a mãe de Tiago o menor e de José --, Salomé -- mãe dos filhos de Zebedeu, e uma certa Joana e uma tal Susana (Lc 8, 3). Chegadas com Jesus da Galiléia, estas mulheres o haviam seguido, chorando, a caminho do Calvário (Lc 23, 27-28), e agora no Gólgota observavam «de longe» (ou seja, desde a distância mínima que lhes era permitida) e logo depois o acompanham, com tristeza, ao sepulcro, com José de Arimatéia (Lc 23, 55).

Este fato está comprovado e é extraordinário demais como para passar por alto. Nós as chamamos, com uma certa condescendência masculina, de «as piedosas mulheres», mas são muito mais que «piedosas mulheres», são igualmente «Mães Coragem!». Desafiaram o perigo que existia em mostrar-se tão abertamente a favor de um condenado à morte. Jesus havia dito: «Feliz aquele que não se escandaliza de mim!» (Lc 7, 23). Estas mulheres são as únicas que não se escandalizaram d’Ele.

Discute-se vivamente há algum tempo quem foi que quis a morte de Jesus: os chefes judeus ou Pilatos, ou uns e o outro. Uma coisa é certa em qualquer caso: foram os homens, não as mulheres. Nenhuma mulher está envolvida, tampouco indiretamente, em sua condenação. Até a única mulher pagã que se menciona nos relatos, a esposa de Pilatos, se dissociou de sua condenação (Mt 27, 19). É certo que Jesus morreu também pelos pecados das mulheres, mas historicamente só elas podem dizer: «Somos inocentes do sangue deste!» (Mt 27, 24).

Este é um dos sinais mais certos da honestidade e da fidelidade histórica dos evangelhos: o papel mesquinho que fazem neles os autores e os inspiradores dos evangelhos e o maravilhoso papel que mostram das mulheres. Quem teria permitido que se conservasse, com memória imperecível, a ignominiosa história do próprio medo, fuga, negação, agravada também pela comparação com a conduta tão diferente de algumas pobres mulheres? Quem, repito, o teria permitido, se não tivesse estado obrigado pela fidelidade a uma história que já se mostrava como infinitamente maior que a própria miséria?

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Sempre surgiu a questão de como é que as «piedosas mulheres» são as primeiras em ver o Ressuscitado e a elas seja dada a missão de anunciá-lo aos apóstolos. Este era o modo mais seguro de fazer a ressurreição pouco crível. O testemunho de uma mulher não tinha peso algum. Talvez por este motivo nenhuma mulher aparece no longo elenco de quem viu o Ressuscitado, segundo o relato de Paulo (1 Cor 15, 5-8). Os próprios apóstolos, com relação às primeiras, tomaram as palavras das mulheres como «um delírio» completamente feminino e não acreditaram nelas (Lc 24, 11).

Os autores antigos acharam conhecer a resposta a esta questão. As mulheres, diz em um hino Romano o Melode, são as primeiras em ver o Ressuscitado porque uma mulher, Eva, foi a primeira em pecar! [1]. Mas a resposta autêntica é outra: as mulheres foram as primeiras a vê-lo ressuscitado porque haviam sido as últimas em abandoná-lo morto e inclusive depois da morte iam para levar aromas a seu sepulcro (Mc 16, 1).

Devemos perguntar-nos pelo motivo deste fato: por que as mulheres resistiram ao escândalo da cruz? Por que ficaram perto quando tudo parecia acabado e inclusive seus discípulos mais íntimos o haviam abandonado e estavam organizando a volta a casa?

A resposta foi dada antecipadamente por Jesus quando, respondendo a Simão, falou sobre a pecadora que lhe havia lavado e beijado os pés: «Ela amou muito!» (Lc 7, 47). As mulheres haviam seguido Jesus por Ele mesmo, por gratidão pelo bem d’Ele recebido, não pela esperança de competir depois. A elas não se havia prometido «doze tronos», nem elas haviam pedido para sentar-se à sua direita e à sua esquerda em seu reino. Elas o seguiram, está escrito, «para servi-lo» (Lc 8, 3; Mt 27, 55); eram as únicas, depois de Maria, sua Mãe, em ter assimilado o espírito do Evangelho. Haviam seguido as razões do coração e estas não as haviam enganado.

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Em si, sua presença junto ao Crucificado e o Ressuscitado contém um ensinamento vital para nós hoje. Nossa civilização, dominada pela técnica, tem necessidade de um coração para que o homem possa sobreviver nela, sem desumanizar-se de todo. Devemos dar mais espaço às «razões do coração» se quisermos evitar que a humanidade volte a cair em uma era glacial.

Nisso, diferentemente de muitos outros campos, a técnica é de bem pouca ajuda. Trabalha-se desde faz tempo em um tipo de computador que «pensa» e muitos estão convencidos de que se conseguirá. Mas ninguém até agora projetou a possibilidade de um computador que «ame», que se comova, que saia ao encontro do homem em um plano afetivo, facilitando-lhe amar, como lhe facilita calcular as distâncias entre as estrelas, o movimento dos átomos e memorizar dados…

À potencialização da inteligência e das possibilidades cognoscitivas do homem não lhe segue com o mesmo ritmo, lamentavelmente, o fortalecimento de sua capacidade de amor. Está última, não obstante, parece que não conta nada, ainda que saibamos muito bem que a felicidade ou a infelicidade na terra não dependem tanto de conhecer ou não conhecer, mas de amar ou não amar, de ser amado ou não ser amado. Não é difícil entender por que estamos tão ansiosos de incrementar nossos conhecimentos e tão pouco de aumentar nossa capacidade de amar: o conhecimento traduz-se automaticamente em poder, o amor em serviço.

Uma das idolatrias modernas é a do «QI», o «coeficiente intelectual». Existem vários métodos para medi-lo. Mas quem se preocupa de ter em conta também o «coeficiente do coração»? No entanto, somente o amor redime e salva, enquanto que a ciência e a sede de conhecimento, sozinhas, podem levar à condenação. É a conclusão do Fausto de Goethe e é também o grito lançado pelo cineasta que faz cravar simbolicamente ao solo os preciosos volumes de uma biblioteca e faz exclamar ao protagonista que «todos os livros do mundo não valem o que vale uma carícia» [2]. Antes que eles, São Paulo havia escrito: «A ciência incha, é o amor que edifica» (1 Co 8,1).

Depois de tantas eras que tomaram nome do homem – homo erectus, homo faber, até o homo sapiens-sapiens, ou seja, o sapientíssimo de hoje –, é desejável que se abra por fim, para a humanidade, uma era da mulher: uma era do coração, da compaixão, e que esta terra deixe já de ser «a pequena terra que nos faz tão ferozes» [3].

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De todo lugar brota a exigência de dar mais espaço à mulher. Nós não cremos que «o eterno feminino nos salvará» [4]. A experiência diária demonstra que a mulher pode «elevar-nos», mas que também pode fazer-nos cair. Também ela tem necessidade de ser salva por Cristo. Mas é certo que, uma vez redimida por Ele e «liberada», no plano humano, de antigas discriminações, ela pode contribuir a salvar nossa sociedade de alguns males arraigados que se tornam ameaçadores: violência, vontade de poder, aridez espiritual, desprezo pela vida…

Só há que evitar repetir o antigo erro gnóstico segundo o qual a mulher, para se salvar, deve deixar de ser mulher e transformar-se em homem [5]. O preconceito está tão enraizado na cultura que as próprias mulheres acabaram, por vezes, a sucumbir a ele. Para afirmar sua dignidade, acreditaram necessário atitudes masculinas, ou bem minimizar a diferença de sexos, reduzindo-a a um produto da cultura. «Mulher não se nasce, mas se faz», disse uma de suas ilustres representantes [6].

Que agradecidos temos de estar às «piedosas mulheres»! Ao longo do caminho ao Calvário, seus soluços foram o único som amigo que chegou aos ouvidos do Salvador; sobre a cruz, seus «olhares» foram os únicos que pousaram com amor e compaixão nele.

A liturgia bizantina honrou as piedosas mulheres dedicando-lhes um domingo do ano litúrgico, o segundo depois da Páscoa, que toma o nome de «domingo das Miróforas», isto é, das portadoras de aromas. Jesus está contente de que se honrem na Igreja as mulheres que o amaram e acreditaram nele em vida. Sobre uma delas – a mulher que verteu em sua cabeça um frasco de perfume – fez esta extraordinária profecia, pontualmente cumprida nos séculos: «Em verdade vos digo que, onde quer que venha a ser proclamado o Evangelho, em todo o mundo, também o que ela fez será contado em sua memória». (Mt 26, 13)

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As piedosas mulheres não estão somente, no entanto, para admirar e honrar, mas também para imitar. São Leão Magno diz que «a paixão de Cristo se prolonga até o final dos séculos» [7] e Pascal escreveu que «Cristo estará em agonia até o fim do mundo» [8]. A Paixão se prolonga nos membros do corpo de Cristo. São herdeiras das «piedosas mulheres» as muitas mulheres, religiosas e leigas, que permanecem hoje ao lado dos pobres, dos aidéticos, dos presos, dos rejeitados de qualquer tipo por parte da sociedade. A elas -- crentes ou não-crentes -- Cristo repete: «A mim o fizestes» (Mt 25, 40).

Não somente pelo papel desempenhado na paixão, mas também pelo da ressurreição, as piedosas mulheres são exemplo para as mulheres cristãs de hoje. Na Bíblia se encontram, de um extremo a outro, os «vai!» e os «ide!», isto é, os envios por parte de Deus. É a palavra dirigida a Abraão, a Moisés («Vai, Moisés, à terra do Egito»), aos profetas, aos apóstolos: «Ide pelo mundo inteiro e levai a Boa Nova a toda criatura».

Todos são «ide!» dirigidos aos homens. Existe um só «ide» dirigido às mulheres, aquele que foi dito na manhã da Páscoa: «Então Jesus lhes disse: ‘Ide dizer aos meus irmãos que se dirijam à Galiléia, pois é lá que eles me verão’» (Mt 28, 10). Com estas palavras, Jesus as constituía nas primeiras testemunhas da ressurreição, «mestras de mestres», como as chama um antigo autor [9].

É uma pena que, por causa da equivocada identificação com a mulher pecadora que lava os pés de Jesus (Lc 7, 37), Maria Madalena tenha acabado alimentando infinitas lendas antigas e modernas e tenha entrado no culto e na arte quase somente em qualidade de «penitente», mais que como primeira testemunha da ressurreição, «apóstola dos apóstolos», como a define Santo Tomás de Aquino [10].

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«Elas se afastaram prontamente do túmulo com certo receio, mas ao mesmo tempo com alegria, e correram a dar a boa nova aos discípulos» (Mt 28, 8). Mulheres cristãs, continuai levando aos sucessores dos apóstolos e a nós, sacerdotes e colaboradores seus, o alegre anúncio: «O Mestre está vivo! Ele ressuscitou! Ele vos espera na Galiléia, ou seja, onde quer que estejais!». Continuai o cântico que a liturgia coloca em lábios de Maria Madalena: Mors et vita duello conflixere mirando: dux vitae mortuus regnat vivus: «Morte e vida se enfrentaram em um prodigioso duelo: o Senhor da vida estava morto, mas agora está vivo e reina». A vida triunfou, em Cristo, sobre a morte, e assim acontecerá um dia também em nós. Junto a todas as mulheres de boa vontade, vós sois a esperança de um mundo mais humano.

À primeira das «piedosas mulheres» e incomparável modelo destas, a Mãe de Jesus, repetimos uma antiga oração da Igreja: «Santa Maria, socorrei os pobres, sustentai os frágeis, confortai os fracos: rogai pelo povo, intercedei pelo clero, intervinde pelo devoto sexo feminino»: Ora pro populo, interveni pro clero, intercede pro devoto femineo sexu [11].


[Traduzido por Zenit]

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[1] Romano il Melode, Inni , 45, 6 (ed. a cura di G. Gharib, Edizioni Paoline 1981, p. 406)
[2] No filme: "Cento chiodi", de Ermanno Olmi.
[3] Dante Alighieri, Paraíso , 22, v.151.
[4] W. Goethe, Faust , final da parte II: "Das Ewig-Weibliche zieht uns hinan".
[5] Cf. Vangelo copto di Tommaso , 114; Estratti di Teodoto , 21, 3.
[6] Simone de Beauvoir, Le Deuxième Sexe (1949).
[7] São Leão Magno, Sermão 70, 5 (PL 54, 383).
[8] B. Pascal, Pensamentos , n. 553 Br.
[9] Gregorio Antiocheno, Omelia sulle donne mirofore , 11 (PG 88, 1864 B).
[10] Santo Tomás de Aquino, Commento al vangelo di Giovanni , XX, 2519.
[11] Antífona do Magnificat, Comune delle feste della Vergine.

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