RCC Tocantins
21/08/2007 - 00h00m

A Torre de Siloé

 

por Wagner Pedro Menezes
wagner@meac.com.br

Quando uma fatalidade ou desgraça atinge os que nos são próximos, pensamos logo em castigo de Deus. Como entender os mais de quinhentos mortos pelo terremoto que arrasou a cidade de Pisco e arredores, no Peru? Como justificar que muitas dessas vítimas (aproximadamente duzentas entre mortos e feridos) assistiam a uma missa na igreja de San Clemente, de cujos escombros os bombeiros retiraram, com vida, o padre?

As especulações e teorias passam do trágico ao ridículo. Há os que dizem (ou pensam) ser aquele povo incerto em suas práticas de fé. Portanto, o castigo sobreveio em abundância. Há os que ironizam a ingenuidade cultural de um povo que construiu suas casas de barro, em região historicamente conhecida pelos abalos sismológicos. Há ainda os que são indiferentes aos fatos, como que isentos de ameaças semelhantes. Esses constituem a maioria.

Assim, de tragédia em tragédia, duas conseqüências são fatais ao espírito humano: petrificar ou amolecer o próprio coração. Dentre os insensíveis, o melhor que fazem é não usar seus ouvidos moucos, suas consciências atrofiadas e continuar curtindo suas vidas, como a dizerem: “o que vem de baixo não me atinge”. Pobres estes!

O problema do sofrimento humano está dividido entre as desgraças naturais que afligem sua natureza e as desgraças de cunho filosófico ou espiritual, causas dos maiores desastres da vida coletiva. Há muito que o conceito de “castigo dos céus” está distante das responsabilidades pelas desgraças que nos afetam. Se estas persistem, a responsabilidade é nossa. Ou não?

Na tragédia que hoje nos questiona, por exemplo, a engrenagem social de um mundo dividido entre pobres e ricos, entre civilizações ultra modernas, capazes de desafiar abalos tão ou maiores do que esses que assolaram o território peruano, e populações obrigadas a se abrigarem precariamente em regiões de alto risco, não há aqui uma responsabilidade coletiva? Até quando continuaremos expondo nossos semelhantes a esses fatores? Favelados ao risco dos incêndios, ribeirinhos sujeitos à voracidade das enchentes e sem tetos a serem sepultados por deslizamentos de morros? E por aí vai...

O tema nos reporta à época de Cristo. Pilatos planejara e fizera edificar uma enorme torre ao lado das edificações do templo de Jerusalém. Diziam as más línguas que, para tal obra, houvera desvios dos recursos do tesouro do templo, apenas para satisfação de uma vaidade pessoal. Já naquela época!... O fato é que a torre ruiu antes do término, matando dezoito operários.

O desastre estava na boca do povo. Castigo de Deus, diziam unanimemente. Afinal, aquela obra maculava a beleza arquitetônica do templo e dificultava o acesso do povo à fonte de Siloé, local tido como miraculoso, onde muitos doentes se banhavam em busca de cura. Era a piscina do “enviado”, onde Jesus também realizou milagres. Muitas eram as razões para “justificar” o possível castigo.

Nessa história entra Jesus. “Pensais que aqueles dezoito homens, sobre os quais caiu a torre de Siloé e os matou, foram mais culpados do que todos os demais habitantes de Jerusalém?” (Lc 13,4). A pergunta é atual: pensais que as vítimas peruanas sejam mais pecadoras do que todos os demais povos? Essa é a questão que a “fonte” de Siloé e sua pretensa torre nos apresentam. Sinais dos tempos e pausa para refletirmos sobre histórias que se repetem. Seriam as vítimas culpadas pelo próprio destino? Não, claro que não. “Mas se não vos arrependerdes, perecereis todos do mesmo modo” - enfatizou Jesus. Lembrem-se: Ele era o “enviado”, a fonte da misericórdia do Pai. Só Ele pode nos purificar e consolar diante das tragédias que afetam nossas vidas. Deixemos de lado as torres da prepotência humana, o juízo que fazemos de nossas próprias desgraças.

Fonte: Catolicanet

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