RCC Tocantins
19/06/2007 - 00h00m

A santidade do homem no mundo dessacralizado

 
Terminadas as festas pascais, a liturgia do tempo comum nos leva a considerar a caminhada do homem santificado no mundo enquanto espera a plena revelação dos filhos de Deus.

Podemos considerar o mundo como a seara de Deus, a nós homens concedida para desenvolvê-la e organizá-la. Foi assim que, no Paraíso, depois de ter criado todas as coisa e visto que eram boas, no refrão repetido: “E Deus viu que isto era bom”(Gen. 1), entregou-as ao homem, criado a sua imagem e semelhança para que elas o servissem.

Acontece que, diante do pecado, as potências da natureza, indomáveis, revoltam-se contra o homem, e este queda-se perante elas e a elas se subjuga entregando-se, em verdadeiro culto de latria, a adoração das suas forças, o sol que domina o dia, a lua e as estrelas. Diviniza suas paixões e virtudes na figura de deuses e deusas e curva-se diante das obras de suas mãos que, como reza o salmo, têm boca e não falam, ouvidos e não ouvem, olhos e não vêem.(Cf. Salmo 113)

Dominado pelo medo e terror, o homem sacraliza as criaturas. São coisas sagradas, intocáveis, capazes de atrair a maldição ou a benção para quem as toca ou as viola.

Arraigado fortemente na consciência humana esses sentimentos perduram na história e perpassaram os séculos, mesclando-se nas diversas civilizações que se sucederam até aos dias atuais quando a evolução do conhecimento religioso, sócio, técnico, científico desmascara a crendice e a ingenuidade.

Fenômeno positivo, não há dúvida. A fé a isso impulsiona. Já Abraão, nascido no meio desses povos, retirou-se de seu meio e, nas estepes do deserto, encontrou-se com seu Deus, Ser transcendente e presente que dominava as grandezas do Universo, que com ele dialogava e apontava na sua descendência a esperança. Não mais o pavor domina aquele que, filho de Abraão, considera o universo com a responsabilidade de filho e não com os olhos de um escravo.

O mundo foi entregue ao homem para que, com sua liberdade criadora nele construa sua pátria terrestre, santificando todas as coisas, santificando-se a si próprio, deixando-se encher do Espírito de Deus.

No processo de dessacralização, o mundo, a civilização se opõe ao sacro. Nas religiões e culturas sacras predomina não só a crença na existência de espíritos bons e maus e a presença de forças ocultas e misteriosas acompanhada de ritos e tabus. Nada constrói senão a geração do medo, do pavor e do pânico. Essa cultura entrou em crise.

A crise do sacro, porém, pode levar à crise da religiosidade e à crise de fé. O excesso de racionalização pode, por um fenômeno muito comum na nossa natureza humana, ao desconhecer ou negar a fé, ressacralizar o mundo e de modo até mais sofisticado e perverso em novas formas de crenças e culto que repugnam a inteligência.

A fé abraâmica é o meio seguro de conduzir o homem à sua dignidade, dando-lhe a consciência do plano divino de restaurar em Cristo todas as coisas, como nos ensina São Paulo. Nada é sagrado, mas tudo deve ser santo. A nossa santidade pode ser expressar pela nossa busca de identidade com Deus. “Sede santos, como vosso Pai é santo”.

Regenerados pelo batismo para vida nova da filiação divina, participantes até da mesma natureza divina, com a encarnação e glorificação do Filho de Deus, nela introduzidos pelo amor de Deus. (Cf. Col.2,9). Somos santos. Somos o novo Adão de que fala São Paulo, o homem espiritual que deve continuar a obra da criação, realizando o novo céu e a nova terra redimidos pelo sangue redentor de Cristo.

Teillard de Chardin via todo o universo em sua revelação final impregnado do Espírito de Cristo.(La messe sur le monde) Na sua evolução, ensina Paulo, todas as criaturas estão a espera da manifestação dos filhos de Deus.(Cf. Rom.8,19)

Esse processo de santificação pessoal, podemos interpretá-lo como o domínio do homem sobre a natureza e submissão de si a Deus. Recebendo, pelo sacramento, a participação no múnus profético, real e sacerdotal de Cristo, o cristão santificado deve exercê-lo na santificação do mundo.

Não são mais as forças naturais e suas paixões os seus deuses que nos devem apavorar. Denunciados pelo exercício da missão profética e colocados ao império do homem redimido por uma inteligência esclarecida pela fé, são por nós santificados, para serem apresentados por Cristo ao Pai numa oferenda perfeita.

Dom Eurico dos Santos Veloso
Arcebispo Metropolitano de Juiz de Fora

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